quinta-feira, outubro 21, 2010

As busca incessante por noites bem dormidas, por sonhos sem fim, por acordar cedo tendo dormido muito e por curtir a noite toda sem ressaca de manhã. A busca de hoje que já é a de ontem que sempre foi a mesma e nem se percebeu. A percepção de tantas coisas em tantos prismas e dimensões e espectros e quantidades e em todos os sentidos sentida firme no peito afundado de fome apertado encurralado sombrio e raivoso e explodente, estourante, magnífico e dolorido angustiado machucado massacrando e doendo e pulsando enfezado de água suja e poeira e frio e calafrio do calor da febre e do desajeito das costelas apertadas da cabeça inchada do cérebro balançado bagunçado monotrilhico enrugado parafusado de baixo pra cima com uma chave Phillips.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Elevador

São Paulo sempre foi uma cidade de pessoas esquisitas, eu como adoro bater perna dificilmente passo um dia todo sem encontrar alguém que fale aos quatro ventos sobre o fim do mundo, ou que escolha um estranho na multidão, geralmente alguém que não esteja ligando, como eu, para falar sobre suas armas que foram roubadas do castelo, o frango que comeu inteiro, as injustiças da vida de ladrão, sobre quando encheu a cara e fugiu do aniversário do filho descalça, sobre como lidar (ou como não lidar com a morte de alguém próximo), sobre as naves, as energias, os militares, as epidemias, os castelos, os covardes, as agruras, essas coisas que acontecem diariamente na vida de um maluco. Caminhar por São Paulo é como uma fábula, uma analogia viva do que é possível na cabeça de alguém. Tomo tudo por verdade, afinal, quem sou eu pra dizer que alguém está delirando, logo eu!? Acho que aí que mora a graça da cidade, só duvido se for realmente importante, se alguém te diz que tem um castelo com vários equipamentos sociais porque eu vou duvidar? No máximo vou pedir pra ir junto.

Segunda-feira, oitavas de final da copa, Brasil e Chile. Vou comprar o almoço, entro no elevador no 13. Não sei se é por causa do Zagallo mas o elevador chega cheio ao último andar... deve ser pra dar sorte.

Entro, um aperto, aperto o botão, 6 pessoas, nenhum “boa tarde”.. geralmente eu já ficaria na nóia “será que eu to fedendo”, “causei ontem? Será!” “Marofei?” “óculos escuros no elevador às 14 da tarde pode né?” Incomodo, o elevador é lento, as pessoas nem se olham, no máximo uma bufada, uma conferida no bolso, uma coçada na barba, parece tudo muito esquisito, se fosse no Japão e esperaria por um ataque ninja ou químico, mas é São Paulo e é copa do mundo, todo mundo fica estranho na copa... Desço, os outros também, sem tchau, nada, só a respiração funda e os olhares concentrados em algo entre as pontas dos pés e o chão. Na rua mais gente nervosa, no mercado a caixa suava de pingar, no açougue o Josué com os braços cruzados já não queria atender mais ninguém. Corre-corre, filas, ruas pintadas de verde e amarelo, o time está mais ou menos, de novo, a primeira fase foi difícil... deve ser isso.

De volta ao prédio encontro no hall do térreo um senhor, cabelos brancos e olhos bem azuis. Um aceno de cabeça, tímido, mas já bastante efusivo perto da saída. Não me contive.

- O povo na rua ta nervoso hoje né? – Soltei, só pra descontrair.

Ele me olha sério, por sorte ainda estou de óculos, senão teria definhado, sério, em um segundo a idéia de contato humano parecer a maior burrice do mundo.

- Esse país pára! É ridículo, o cumulo! – Engoli seco, ele me olhava com os olhos arregalados.

- É né, as coisas vão mal. – O que mais poderia ser dito? Não me ocorreu nada, juro.

- Esse mundo devia acabar! – Exclamou sem pestanejar.

- É né, 2012 tá aí já né! – Que idéia genial falar sobre uma lenda com um cara desses. Ele franziu a testa ainda mais... agora eu tava com medo.

- Quando o mundo acabar não vai ter 10 pra salvar, vai morrer todo mundo. – Falou olhando pro meu hipotálamo.

- Glup. –

O elevador pára, ele vai indo pra porta ainda me olhando, acena com a cabeça novamente... ufa! Sobreviv..

- Boa tarde! – Falei quase comemorando.

Do lado de fora ele se vira e com aquele olho azul gigante me olhando:

- Põe a cabeça aqui! – Decreta.

- Co-coco... coméquié? – No susto eu tinha encostado na parede do fundo do elevador..

- Põe a cabeça aqui, to falando?

- Ma-ma-mas porque? – Fui me adiantando vagarosamente tentando entender do que se tratava.

- Põe a cara aqui que eu to te falando rapaz! – Repete ríspido.

Procurei uma câmera escondida.. nada... como bom frouxo acatei, com uma mão segurando a parece do elevador e a outra segurando a porta coloquei a cara pra fora do elevador.

- Ta sentindo? – cri-cri-cri.

- Ta sentindo ou não? – Pela cara e pela distância só podia ser cheiro, e tinha sim um cheiro estranho no ar.

- Tô... – Será que eu to? – É... carne com abóbora? Parece bom! – Falei com aquele sorriso amarelo de quem não quer mais fazer amigos.

- NÃO! É o cheiro desse cachorro!! É todo dia assim, eu não agüento mais.

- ahhh... – “Que cheiro?” pensei – É ruim né...

- Isso tem que acabar, eu vou... – Deu uma bufada e – terei que tomar uma providência... – Falou enquanto a porta se fechava lentamente.

– É fogo né? Boa tarde! – Falei só pra não entrar na lista, afinal, caras assim devem ter listas.

Só tem maluco nessa cidade...

sexta-feira, setembro 17, 2010

What ever happened in new york?

Nova Iorque sempre esteve nos meus objetivos, ok, talvez nem sempre em objetivos específicos ou realmente em planos dos mais concretos e factíveis, mas mesmo depois de descobrir que o "Curtindo a vida adoidado" foi rodado em Chicago, depois da paranóia pós onze de setembro e de saber que a Scarlett Johanson tá casada, mesmo assim, NY é o lugar, pra mim. Claro que meus desejos relativos à big apple são todos imaginários e baseados em filmes, discos, quadros, fotos, seriados e personagens, mas considerando minha última visita a uma cidade mítica, o Rio, tenho certeza de que seria praticamente impossível me decepcionar com a terra da Carrie Bradshaw, do Woody Allen, do Sonic Youth, dos Beastie Boys, do Robert de niro, dos Friends, do Duke Ellington, do Frank Sinatra, do Harvey Keitel, do Lou Reed, isso sem falar no Spike Lee, na Yoko Ono entre tantos outros que vivem lá... e essa lista não acaba nunca, a terra da liberdade (humpf) está cheia de gente produzindo coisas, criando, vivendo numa muvuca que eu adoraria participar.

Gosto de cidades grandes, casa cheia, multidões, gosto de ver as coisas pegando fogo, acho que é por isso que gosto de NY, muita gente, muita coisa acontecendo. Nas últimas semanas venho assistindo a uma overdose de Sex and the City, que confesso, é uma das minhas séries favoritas, o que não seria dificil de se imaginar pois a personagem principal é uma escritora, o grosso da ação rola à noite, o mote da parada são relacionamentos, dos mais profundos até os meramente sexuais, a produção é de um bom gosto invejável para locações, roupas e tudo o mais, os roteiros são bem amarrados e as histórias tão bem contadas que as personagens acabam por parecer pessoas reais, e o melhor de tudo, a série mostra NY em ângulos maravilhosos, bares incríveis, galerias de arte fodas, baladas lendárias, cafés charmosos, ruas charmosas e claro, mulheres maravilhosas, belas, maníacas, com bom gosto e mente aberta, o que por mais ficcional que seja a série não vejo como ser um exagero assim tão grande. E aínda com o agravante que lá não existem esses bloquinhos portugueses nas calçadas, o que viabiliza os saltos agulha pela cidade toda, o que espetacular.

Estamos sempre buscando algo além de nossos limites ou a vida numa cidade realmente tem limites emocionais? #carrieon

Moro em São Paulo faz 22 anos, desde garoto sempre tive uma ansia enorme por conhecer tudo por aqui, os melhores e os piores bares, as principais ruas e avenidas, as lojas, os shoppings, os cinemas, os teatros, as galerias, os tipos, os mendigos, as putas, as estações de metro, os atalhos, as bocas, as vistas, as janelas, os museus, as mulheres, os parques, os problemas, os lugares onde não ir, eu queria tudo e depois de explorar como um kamikase eu estou ficando farto. Claro que não dá pra dizer que não tem o que se ver, o que fazer nem nada assim, sempre há, se você pega o metrô todo dia no mesmo horário a possibilidade de você reconhecer mais de duas ou três pessoas no seu vagão depois de um ano é remota, eu diria que é quase impossível, mas já trabalhei na Paulista, tanto no Paraíso quanto na Consolação, no centro, na Berrini, no Itaim, na Vila Madalena, na Vila Mariana, no Brooklin, no Butantã, na Lapa, agora estou em Pinheiros, de novo, depois de uns sete anos desde a última vez. Também já morei na zona sul quase toda, de Parelheiros ao Brooklin foram pelo menos cinco ou seis lugares, na oeste mais uns cinco, namorei mulheres dos dois lados da Paulista, de todos os lados da zona sul, da leste, norte, Osasco, ABC. As vezes, em dias de azar, tenho certeza de que posso ser atropelado ou receber uma garrafada de qualquer uma delas, em qualquer lugar.

Ai que entra NY, lá é o lugar perfeito pra começar uma vida nova, ninguém mais quer ir para os EUA e lá os poucos que eu conheço sabem muito pouco sobre quem eu fui e quem eu sou, seria um começar do zero, ganhando em dollar e numa cidade onde cada um veio de um lugar.

"Admita, seu problema é com a sua vida e não com São Paulo" diria um filho da puta qualquer. Mas esse é o lance, longe daqui eu não preciso admitir porra nenhuma! E eu adoro a minha vida, mas aqui e agora tem pouco que eu possa fazer aqui, tô muito manjado já, eu preciso de ar novo, ninguém aguenta mais olhar pra minha cara aqui, quando mais de três pessoas querem ver sua caveira num lugar é porque você não tá agradando, e eu acho que falo muita merda ou fiz muita merda ou fui feliz demais pras pessoas me admitirem aqui, então o negócio é pegar minha nega, minha mochila e sair loco, cutucar calçadas novas.

Mas proque NY? você me pergunta, e a resposta é simples, porque lá é o topo do mundo, o centro, aínda hoje e mesmo depois de perder algo do charme dos anos 30 com o jazz fervendo ou dos anos 80 com o hip-hop atravessando a ponte, mas é lá que as coisas acontecem, e como bom megalomaníaco que sou eu sei que preciso ver o mundo do topo, do centro, pra a partir daí começar realmente meu caminho, seja pra plantar bicho da seda em minas ou pra escrever romances sobre São Paulo ou sobre Atibaia, não importa, o lance é que eu preciso ver as coisas de lá, viver a vida no limite, podendo ser explodido a qualquer momento, ganhando boas gorjetas e esperar pela chance que pode surgir numa fila de cinema atrás do Woody Allen ou numa conversa de bar onde o editor da New Yorker vai estar na mesa do lado e vai querer uma coluna minha lá, posso descarregar peixes congelados no cais do porto ou ser garçon no Queens, mas quero ver qual é a do pico, porque São Paulo tá começando a ficar pequena e isso é entristecedor por um lado, mas por outro me mostra que preciso buscar meu caminho, e meu caminho é o caminho e não um lugar, meu lugar é a estrada e não adianta lutar contra isso, e nessa estrada a próxima parada é New York.

Ouvindo: http://listen.grooveshark.com/#/playlist/NY1/35777527

quarta-feira, setembro 15, 2010

Live in Rio

Já era uma da manhã quando resolvi “vou tomar um banho e vou”. Devia ter ido 28 horas antes ao menos, não dava pra adiar mais, precisava chegar ao Rio.

Uma ducha rápida e é hora de contar as baixas, o calcanhar inchado, um pêlo encravado que prometia delírios inimagináveis de dor, a dor nas costas de sempre e o torpor de quase dois dias de cativeiro. Mas essa era uma missão de exploração urbana, já que a meteorologia prometia um final de semana paulistano úmido na terra do Sol, era claro o que me esperava, e eu estava ansioso a conhecer as noites escuras da cidade mãe do pecado, da samba, do Nelson, do Tom, das curvas, da malandragem e de introduções intermináveis que nunca serão suficientes para descrever a cidade mais linda do mundo, pelo que o pessoal de lá fala.

Largo do Glicério, avenida do Estado, Tietê. Um “até já” com gosto de “não vai!”, as unhas rasgam a pele e as bocas se fundem, os corpos vibram até o bater da porta “P’la!” ... corre, passagem, mensagem, corrida... na rodoviária vazia e fria cada passo é um grito... “já volto caralho!”.. São Paulo é uma garota temperamental, o negócio e virar-se e correr antes que ela te passe uma rasteira.

Antes de entrar na Dutra eu já dormia, minhas pernas estavam fracas, meu peito queria pular pra fora... essa era uma missão das mais esperadas dos últimos tempos, dar uma revista no Rio e tentar entender porque é lá que o as coisas acontecem.

Chego na rodoviária as 10h07, atordoado, tinha dormido a viagem toda e não esperava uma manhã tão clara e quente à minha frente, fazia 34° C e eu estava numa ressaca de tudo, um gosto de guarda-chuva impossível ignorar, saí na rua e uma horda de taxistas me encurralaram, era hora de ficar atento, escolhi um e fui, o cara parecia sobrio e tinha um Santana, mais velho que eu, mas parecia confortável, combinamos quinze reais, ele tentou ligar e nada, sem gasolina. Saí e antes que pudesse ver se encontrava um ônibus já fui pego por outro taxista, esse sim sóbrio, com um palito de dente na boca... “puta merrrda, vamu lá” pensei, perguntei “quinze reais?” ele “isso aí”, pouca conversa no caminho, o botafogo era perto, caminho tranqüilo, fomos por dentro então nada de ver mar, chegamos no Botafogo, ele vira e manda, sem nem disfarçar “então, são quinze por quilômetro, foram 8 então isso dá 120 paus!” ... “cheguei” pensei alto, saquei vinte, sai do carro, peguei minha mala enquanto ele falava sem parar, ainda estava bem sonolento mas não dava pra começar o dia assim, ele continuava gritando “tu ta na zona sul cumpadi, aqui é assim”! Peguei os vinte da mão dele, joguei cinco de volta chutei a porta e falei “zona sul é assim cuzão!” me virei e fui andando, pensando numa rota de fuga no caso de ouvir um gatilho, mas nada, antes de eu cruzar a esquina ele já tinha sumido... talvez o Rio tenha perdido um pouco da malandragem, ou meu treinamento pelas ruas do Socorro foram bem sucedidos, mas aquilo estava muito estranho aínda.

Chegando na casa da Jane entendi o porque de ter saído tão fácil daquela, tava com a cara toda retorcida, como se tivesse dormido numa caixa de abridor de latas. Lavei o rosto e fui buscar uma cerveja gelada, um céu, um mar, uma vida.

A cerveja nem tão gelada desceu boa, mas ainda não era aquilo, tinha que encontrar as irmãs metralha em Copa, para uma missão no centro. Encontrei com elas no posto 5, elas estavam junto com o Márcio e o Marciano, mas isso tudo duraria uma semana inteira pra contar, o que valeria a pena mesmo, mas acho que peguei o vírus, vírus do sossego, do arredondamento, da voltas, das curvas, as coisas no Rio não são exatas, tudo é Jammiado, o funk e o samba estão nas pessoas, nas ruas, o café tá na cabeça e o chope nos quadris o dia todo.

Logo chega a noite, a lua cheia ilumina a marina da Glória, o aterro, lá longe vejo os aviões descendo no Tom Jobim e as luzes brilham na Lapa e em Niterói, era hora de cutucar as calçadas com meu sapato bicolor, calça de linho e sem flagrante no bolso... Logo chego em Copa, Tip Top, samba de roda e cerveja barata, tô em casa já, vou encontrar o nego veio, ele tava todo preocupado com sei lá o que, pra variar, mas estava numa boa, cerveja e tempo ameno em Copa eram como antídotos para qualquer problema, mesmo pra ele, pelo menos até a madrugada se aproximar e trazer o Marcelo, um típico carioca, bermuda, tênis sem meias, um sorriso enorme e simpatia pra gastar sem miséria. Logo a conversa anima e escorregamos pra praia pra uma vida, na Lapa a multidão é inclassificável, hippies, flamenguistas magrelos, vascaínos jiujiteiros, funkeiras e gringos se misturam numa numa dança de tipos, cheiros e sotaques que só seriam possíveis ali, naquele calor. Encontramos um pessoal, uma loura grandona que chegou de Israel e não sabia bem o que fazer com as viabilidades disponíveis naquela noite, ele estava uma pilha, assim como os caras da Gávea que vieram com ela e não paravam de mamar cervejas, uma atrás da outra. Alguém falou do bar Bukowski, de volta ao ponto de partida, no Botafogo. Chegando lá uma fila impossível, casa cheia, como eu já ouvira falar antes, no Rio quando um lugar cai na boca do povo é isso. Imaginava um pub às moscas com meia dúzia de fracassados mas no Rio o que não falta são vagabundos, o negócio era aproveitar as cervejas baratas da rua e a noite quente, quando entrei já não tinha mais o que fazer além de arranjar uma briga ou descolar um canto quieto onde eu pudesse fumar um cigarro antes de cair no sono ao som de Bela Lugosi’s dead. Não foi exatamente uma decepção, claro que não seria um pub amaldiçoado de beira de estrada, e até que o lugar tinha algum estilo, peguei uma cerveja e fui farejar o lugar. O Rio tem essa coisa estranha de as pessoas todas parecerem as maiores malas sem alça do mundo até você conhecê-las e elas te abrirem os braços, a casa, as pernas e o que mais você quiser, mas minha cabeça estava querendo explodir e eu não tinha muita coisa pra dizer por ali, no Rio eu não sou ninguém e o jeito era aproveitar o lado bom nisso, peguei uma cadeira e coloquei no meio do quintal, acendi um pigas e fiquei vendo as pessoas passarem e falarem feito carros na Rebouças. Talvez eu não seja mais o mesmo...



“Caralho merrrmão!!! Já vai se entregarr!!” berrou o nego véio na minha orelha antes de chutar minha cadeira e me trazer um refil da holandesa verde. Pois é, com o Mano na seleção eu não podia mais fazer corpo mole e depois de um gorfo na calçada ainda cheia de saltos e papetes voamos pra Ipanema, já com algumas baixas, como a lorona que tava se atracando com um jacaré bem em cima do meu vômito. No caminho pro Empório passamos na praia onde perguntei pra Jah “porque não levo outra vida?”, ele me respondeu com o melhor mato da cidade entrando pelos meus pulmões e lubrificando minhas juntas pra que eu pudesse voltar pras cervejas baratas na rua, fazer o que o destino me impingiu, pelo menos até aparecer coisa melhor. É Hank, você não mudou nada.

domingo, setembro 05, 2010

depois de umas cervejas na Liberdade...

Quando você está bêbado, de leve que seja e se senta em frente ao computador às cinco da manhã é pra escrever merda, com certeza...

Eu tenho um monte, um MOnte de coisa pra colocar aqui, minhas impressões sobre o Rio de Janeiro, sobre Bauru, sobre o ócio e as férias que eu tanto queria, sobre estar namorando, sobre o TCC, sobre o job na HBO, sobre um monte de coisas, mas agora eu estou bebado e realmente não sei sobre o que escrever, mas o lance é que estou sem sono, acho que gente demais que eu conheço lê esse blog, daí não dá pra escrever o monte de merda que eu gostaria, porque isso causaria um monte de julgamentos e cretinices que teriam um grande potencial de cagar tudo o que está acontecendo atualmente... eu sou o rei de fazer isso, arruma uma namorada e fala da ex no blog, arruma um emprego e fala mal do antigo no blog, tromba um camarada azul na rua e fala mal do Avatar... a vida é assim, as coincidencias são feitas pra te fuder, pessoas legais tem uma grande possibilidade de te achar um cretino, gases surgem quando você está está mais do que suficientemente desconfortável, reuniões não pré-agendadas são feitas quando tu está de saída, as coisas mais maravilhosas do mundo acontecem quando você não está di$ponível pra elas, mas no fim das contas você só é feliz quando você está aberto a isso, e andar com gente negativa te torna negativo e assim você não vê graça em nada nessa vida...


não sei o que está acontecendo exatamente agora, na verdade isso tá mais parecendo um surto que um post, mas e daí, são 5 da manhã, eu só queria estar com sono como eu estava uma hora atrás, e eu não fiz nada de realemtne estimulante... só me sentei na frente do computador pra saber se tinha acontecido algo relevante nas ultimas horas e não, nada mudou, na minha vida também, nada mudou, algumas coisas mudam, algumas até ficam com cara de resolvidas, o que pode parecer inconcebível, mas sim, tem coisas que acontecem e é como um grito "mano, te preocupa com o resto, isso aqui já foi." ... mas como um cara como eu, que escreve sobre as agruras da vida, como eu vou poder olhar em volta e falar "tô feliz, tô satisfeito"... aí é que se mostra o escritor de verdade, o cara que das duas uma, ou arruma uma criaca na própria vida e transforma num problema terceirizável num personagem, ou assume que vai ter que viver de ficção pura, toma vergonha na cara e desencana do blog e vai escrever sobre a vida de seres imaginários, mesmo achando que estes nunca terão a profundidade dos antigos, baseados nas próprias experiências, ou nas de amigos, ou de bêbados do centro da cidade... claro, sempre haverão os bebados do centrão, hoje mesmo conheci um, Antonio Carlos, morador das marquises da região central, 57 anos e uma ligereza invejável... no fim das contas é isso, o negócio comigo é gente, conhecer gente, as pessoas que fazem os meus dedos trepidarem sobre o teclado, meus calcanhares deslizarem sobre as calçadas, se você está aqui agora, amanhã você está lá, morando no Arouche, dormindo num albergue... isso é o que eu sentia falta em SP, saber onde eu vou parar se tudo-tudo-exatamente-tudo der errado... eu vou acabar no anhangabaú!

Tô perdendo alguma coisa, acho que tô muito sem assunto hoje, resolvi escrever só pra curar insônia e estou aqui, colocando isso logo aqui, no meu blog de quatro leitores... amanhã descubro o que escrevi sobre o Rio e posto... foi certamente mais incrivel viver do que será escrito, verborrado, devo estar borando geral, então tá.

segunda-feira, junho 07, 2010

Pecas totas

Quando você decide ir embora tem que ser pra valer, se você decide que não quer mais tem que ser de verdade, pensou antes de mais um gole. Sentou no bar, bebeu muito, pensou muito, depois de umas horas sozinho você acaba achando a vida uma merda mesmo, você mesmo, um merda.

Entre as horas e os devaneios não cabe mais nada aqui, meu travesseiro é a grama, meu chão, lama. Ouço aínda Big Life e vejo as coisas que o Koala fala no tuiter, "puta merda" eu penso, "caguei no pau de vez dessa vez". Só os românticos dizem que nunca mais vão amar, só os loucos acreditam nesses gordos velhos. Mas parece até que gosta porque faz de novo, se perde na floresta da mente e fica vagando sem rumo por ai. Sexta à noite, no meu caso, sábado à noite, é quando você tem 48 horas para ir até onde puder e voltar, esse sempre foi meu lema, idéia meio besta, juvenil a qual compartilhei dezenas de vezes de centenas de formas, mesmo que só.

"Cadê seu Deus agora seu punk de merda" é o que eu ouço na minha cabeça faz uns dias, daqui a pouco melhora, um dia se pá até passa, mas e ai? É só isso mesmo né, o que importa é a dor passar e continuar adiante searching for subject, searching for love.

Você pode sempre procurar por mais assunto, pais pessoas, mas coisas, mais conhecimento, as coisas acumulam, sedimentam, esquentam e viram rubis, diamantes. Mulheres têm o que fazer com diamantes mas eu não sou vidraceiro, acho dourado brega e não uso jóias, o que eu poderia fazer com um diamante e descrevê-lo, escrevê-lo, aqui ou n'algum aqui desses, as vezes falta um porque até pra isso, como se a parada de escrever tivesse sido um sonho idiota de moleque e eu teria que achar bom que pelo menos tenho uma carreirinha safada como bibliotecário.

Venho tendo muita raiva, de muitas pessoas, muitas situações, compro até a raiva dos outros que não sabem usa-la direito, mas tá foda de canalizar, fico rangendo os dentes, com dor de estômago, perco o humor mãs não ô conseguindo colocar pra fora de forma útil, transformar em adrenalina, em inspiração, em ânimo... vou ver se eu lembro como é, senão vou só seguir o instinto.







quinta-feira, abril 08, 2010

Mente doente ou Umas doses a mais.













Dizem que eu sou muito transparente, que é fácil saber se algo me incomoda ou coisa assim só de olhar pra minha cara... acho que isso não se aplica tão bem aos meus textos... não chega a estar encriptado, mas dá pra perder umas boas horas de terapia tentando descobrir como cheguei a esse ponto.

ok ok, parte foi escrita no ônibus...

Merece transcrição?

c ya.

(sono)

segunda-feira, março 29, 2010

Canetada

“caralho, eu vou ficar aqui fritando e a essas horas ela pode estar conhecendo alguém decente que queira assumir esse B.O., e eu aqui canetando, merda de vida.”


Canetada


- Já não sei o que fazer, gosto dessa nega, ela é honesta, é boa, é inteligente pra caralho, mas não sei, depois da Judite não sei se consigo embarcar de novo numa dessas.

Fuuoooooooommmmmmmmmmmm!!!

- Filho da puta, esse não vai ter perdão! LGU715... 7, acho, filho da puta! – Reclama enquanto anota uma multa de excesso de velocidade.

Já estava assim a semanas, acordava às 4h, tomava banho, se vestia, comia um pão e subia a rua pra pegar o primeiro Largo São Francisco, tudo no automático, não escolhia mais roupa, pegava a que estivesse mais perto da mão, o pão era seco mesmo, com água, pra não perder tempo fazendo café, não queria acordar, nesse dia tinha sonhado com Teresa de novo, hoje, pesadelo, pegava ela na cama com um negão descomunal numa casa que não era nem a dele nem a dela, tinha um barulho de mar de fundo e ele não sabe bem porque estava lá. Estranhou, queria saber que lugar era aquele, que cara era aquele. Será que aquilo era uma visão? O que será que Teresa estaria fazendo a essa hora em Ilhéus? Esperava que dormindo, não queria acreditar em outra possibilidade além dessa, afinal, não eram nem cinco da manhã e ele já suava em bicas, de nervoso, de calor mesmo, de raiva do negão que ele nunca conseguiria derrubar no soco, nem na paulada nem no tiro, nunca. Teresa estava visitando a irmã, disse que era coisa rápida, até ter a resposta de um trabalho legal lá na Berrini, num consltório de um vovozinho, endocricodolistalgumacoisa, lembrava do dia da entrevista, que levou ela, tava de folga, ela tava feliz, acordaram cedo, ele preparou o café com tudo que ela gosta, até mamão tinha, tava verde porque não sabia escolher mamão, mas ela achou bonitinho mesmo assim, agradeceu, transaram até quase o atraso. Foi um dia bom, Teresa estava feliz, Joel estava feliz.

Acorda já no centro, dá um tapa na cara e corre pra descer do ônibus antes dele sair de volta sentido zona sul. Corre até o trampo, bate cartão, dá um salve pros manos, mete o uniforme e corre até sua viatura. A alguns dias estava canetando na Bandeirantes com a Berrini, debaixo do viaduto ali, o Zuccollo ou coisa assim, ali era firmeza porque era fácil cumprir a meta, um monte de filho da puta, era velocidade, rodízio, faixa, era delícia, queria ganhar comissão quando pegava umas mamatas dessas. O foda era que logo cedo não tinha sombra do viaduto, só depois das 10h, e esse verão tava de foder, o uniforme pesava uns quarenta quilos e a lembrança de Teresa tornava seus dias intermináveis. Chegou cedo e já podia começar a pegar as primeiras multas de rodízio. Mas pensava no negão em cima de Teresa, suando como se tivesse de uniforme marrom, mas não tava, tava nu em pêlo pegando Teresa no pêlo e ela gritando como se tivesse sendo atacada por... – Não pensa felá, trabalha, não pensa! – Falava como se fosse adiantar, falava alto, o som da rua era alto, certamente não incomodaria ninguém com seus lamentos, com sua dor.

Foi até o carro beber água e tinha uma mensagem no celular. Ficou doido, derrubou o telefone, pingava suor, não achava o maldito debaixo do banco, revirava, revirava, achou, leu, era de Teresa.

“queria saber se sente minha falta. Queria saber que está me esperando. Comotá? Bjo!”

“Essa mulé é uma poeta, caraio!! Quiquieu falo pra ela? Fudeu!” pensou sabendo que tinha que falar a coisa certa, porque depois de três semanas sem ela dar sinal de vida ele precisa impressionar. A essa altura já não tinha mais cérebro suficiente pra nada, depois de uma manhã inteira no Sol, no CO, no barulho infernal de uma artéria entupida. Estava louco. Não era pânico, não era medo, mas tinha que ser rápido e certeiro ou o seu sonho se materializaria.

Voltou pra esquina, pegou o bloco começou a esboçar o que seria sua obra prima, o calor aumentava e suas mãos suavam e as buzinas não cessavam e a fumaça e as idéias embaralhadas e a fumaça de mil caminhões e mil buzinas do inferno trombetando e o sonho e Teresa e o uniforme grudando e a luz do Sol rebatida de todos os lados na direção de seus olhos e queria pensar e não conseguia escrever e não tinha palavras e as que vinham não tinham sentido ou pareciam buzinas ou derrapadas e já se passavam duas horas e tinha que escrever algo e sua cabeça fervia e delirava e pegou o bloco, olhou-o por alguns instantes, olhou pra frente e vou uma Belina enorme, azul como o mar da Bahia, vindo em sua direção e na direção um negrão, seu coração parou e o ar fugiu dos pulmões, apertou o bloco com força e escreveu rápido, antes que ele passasse “ti amo teresa, seje minha que já so teu!” escreveu e caiu em calma, acabara com a maldição, olhou bem pra barca que vinha e encheu a boca com um enorme “féladaputa!”. A barca passou e ele ainda lhe mostrou o dedo na passagem, mostrou e ficou com ele pra cima e ria como se vencera o próprio Exu. Pegou o telefone para completar a missão e eufórico derrubou-o no meio fio, ajoelhou-se e começou a digitar ali mesmo, de quatro. Enviand... sem crédito, a Belina deu a volta e... pára-choque... olha pro bloco jogado no chão, pensa em Teresa... Exu venceu.

sábado, março 27, 2010

Aprendendo com a Nigéria.

Já não sei mais o que deveria ser. Quer dizer, até sei, mas acho pretensioso, “o que deveria ser” pela visão de um cara que pouco leu, pouco sabe... raso. Apesar de saber disso ligo pouco, dou minha opinião por aí e irrito, insulto, atrapalho o status quo dos mothingmakers de plantão. Gosto de reclamar da minha insignificância e me deprimo facilmente com a minha incapacidade de mudar as coisas do mundo que acho erradas, com as coisas da minha vida que acho erradas, com o ambiente urbano, as relações de trabalho, com os serviços recebidos e prestados, com a relação que tenho com os mestres, os aprendizes, os colegas, os desconhecidos. Só não me desespero com o desconhecido porque sei que ainda poderei conhece-lo, ou não. Estou numa fase de urgências, de trocas intensas, de embates violentos. Não sou violento, sou intenso em mim e penso tão cíclico que não sobra muito pra por pra fora. Um eterno incompleto, um eterno se conhecer, conhecer o mundo e se saber incompleto.

Sei-me incompleto desde cedo, não quero perder tempo e troco raivoso, frustrado, imaginando que não chegarei a ponto de saber o suficiente para transmitir, para ensinar. Sou um bibliotecário de referencia, tento sê-lo. Estou aprendendo todos os dias sobre novas fontes, novos conceitos, novas abordagens, todos os dias estou mais próximo do cinema, de sua busca incessante por criar um metamundo fantástico, onde as emoções são mais intensas, as idéias factíveis, onde o impossível se materializa à sua frente e onde por cerca de duas horas você estará imerso num outro mundo.

Outro dia um professor disse que nós (alunos da USP) somos todos elitistas, que não olhamos para a periferia, não vemos as massas. Eu entendo o lado dele, a visão dele, e eu sei que ele tá mesmo certo. O que eu faço no meu trabalho? Faço o meu melhor, sim, para quem chegar aqui e me perguntar, sim, mas quem vem é a bourgeoisie, salvo alguns poucos guerreiros aqui e ali. E o cinema da periferia? E a voz da periferia? Estava lendo agora sobre o cinema nigeriano e o seu quase do it yourself, eles fazem um cinema original, com histórias baseadas nas histórias deles próprios, do povo, contadas com produções gambiarradas e distribuídas em DVD para todo o continente a um preço/custo baixo, de uma forma sustentável. O cinema nacional da nigéria é um sucesso em toda a África, sucesso econômico e cultural, sucesso de público. Mas a qualidade técnica é ruim? Ninguém lá ta atrás de Oscares e Leões de Prata, eles querem contar histórias. Mas os roteiros são fracos e as histórias vulgares? Foda-se, é o cinema que as pessoas querem ver, finais felizes e seus cenários do dia-a-dia retratados na tela, sua realidade fantasiada e mistificada passando na tela, é isso que eles têm e que nós aqui não temos, um cinema que se pague, que fale às pessoas, que as toque, que as represente no mundo fantástico, que filme brasileiro representa o povão, o vida-loca, o evangélico trabalhador, o bóia-fria putanheiro, a doméstica com quatro filhos? Não é à toa que o maior sucesso da história do cinema nacional é “A dama da lotação”, isso faz mais de 30 anos e ninguém percebeu ainda que deixar na mão dos riquinhos da ECA e da FAAP a missão de contar pro mundo quem somos nós e o que é ser brasileiro, quem é o brasileiro e como a gente mata um Leão de sete cabeças por dia, nem sempre rindo e sambando como acreditam nossos queridos diretores do Leblon e dos Jardins.

A gente tem mania de achar que tudo no Brasil é difícil, que não é pra nós, que não temos capacidade, possibilidade, que vamos passar vergonha se mesmo tentarmos... a Nigéria está aí mostrando que esse problema de auto-estima pode ser superado, e eles estão contando sua história e estão vivendo disso. Quando vamos fazer o mesmo?

sábado, janeiro 23, 2010

sabado de chuva





Acordado pela luz opaca da janela da sala da cazona, dia nublado, chovendo insistentemente desde a noite, que foi longa. Os dedos dos pés estão rachados, ardem, mas é quase agradável, banho frio, pente, guaraná, busão, ouvindo Cat Power subindo a Rebouças, a Paulista, depois Foo Fighters, Deftones, tentando lembrar mais sobre a noite anterior, pensando nas coisas a fazer no trabalho, sobre o que escrever aqui, depois caminhando pela Vila Mariana na chuva, ressecado por dentro e molhado por fora, muito LIFE.

Pode ser gostoso trabalhar de sábado, tô me acostumando bem com isso.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Por que sempre tem que acontecer alguma coisa Falu?

Este é um post de 2005, não é só pra encher lingüiça, é mais como um retrato antigo, uma lembrança terna de um tempo bom. É bom quando o passado é bom, um dia a saudade, os arrependimentos, as dores viram só coisas boas, pelo menos comigo tem sido assim.


Tem gente que diz "e aí, o que tem feito de novo?", escrevendo que não é, isso vcs percebem pelo estado do blog, que está às moscas. Eu faço o de sempre: trabalho, estudo, vejo a Paula, vejo o Limão e o André de vez em quando, vou pra faculdade de vez em quando, é isso, e só. De vez em quando surge uma história inteira na minha cabeça, do nada, parece que eu sou uma antena para contos malucos... mas na hora de escrever elas me cançam, tenho preguiça de desenvolver, de achar palavras, eixo paradigmático e eixo sintático, um saco, escrever tem me cansado, não tanto quanto o meu emprego, ou a faculdade, mas o que eu sempre quis para mim como ganha pão para toda a vida tem me cansado a ponto de eu não fazê-lo mais; é, eu não estou escrevendo mais, tenho ótimas desculpas, tempo, branco, stress, tendinite, mas isso eu invento para os outros, para mim a desculpa única e insubstituivel é: Não estou com saco de traduzir pensamentos.

Muitas vezes me cansa traduzir pensamentos mesmo em palavras, consigo ficar horas sem pronunciar uma única palavra, no trabalho falo apenas o necessário normalmente -- normalmente leia-se sempre -- e quando quero conversar apenas reclamo e faço trocadilhos infames para me livrar de ter que falar algo pensado -- herdei do meu pai o dom dos trocadilhos infames a tal ponto que nem preciso mais pensar para difundí-los.

Acontecem coisas comigo, não posso dizer que não, quando se passa duas horas por dia dentro de um ônibus, se convive com centenas de advogados e algumas poucas bibliotecárias para atender a todos e um ogro do Capão Redondo, se estuda numa faculdade de riquinhos num curso de pobrinhos e mora-se com um cafajeste de 25 anos, um vendedor da Amway tentando dar uma de engenheiro e uma mulher que ouve Triguinho o final de semana todo e que fica doente quando é separada dos seus milhares de cristais, é evidente que muita coisa acontece, porém a minha sensibilidade em achar graça ou drama em cada situação está se esvaindo dia a dia, minha paciência comigo mesmo e com o "tempo da bola" dessa cidade já era, não quero ser um catalogador-estagiário, não quero ser um estorvo pra minha madrinha e muito menos quero passar o resto dos meus dias respirando esse ar e tendo que passar horas a caminho de qualquer lugar, sinceramente isso não é vida pra mim, mas o que é?

Na noite passada, depois de tentar decorar um manual de MaRC 21 para uma prova do professor mais tosco que a USP já teve e não fazer a prova em sinal de protesto (naquela faculdade só se consegue alguma coisa assim, fazendo baderna) fui tomar umas, sozinho, como tenho gostado de ficar ultimamente, pelo menos quando vou beber. Depois de 2 copos de cerveja um mendigo começa a conversar, ele parecia ter por volta de 50 anos, tinha cara de ser uma boa companhia então o convidei para sentar-se, já que havia estado sozinho já por longas horas, e imagino que ele também. Ele se sentou e falou, falou e falou por um longo tempo, eu apenas acenava com a cabeça como se estivesse entendendo. Mesmo antes dele chegar uma forte dor de cabeça me pegou em cheio, e mesmo com o falatório insólito e desencontrado do velho Falu (este é o nome dele, pelo menos acho que é) sua presença me era benvinda, gostava de observá-lo gesticulando, rindo, parecia se sentir acompanhado pela primeira vez depois de um longo tempo, assim como eu. E assim ficamos por cerca de 2 horas, ele falando e eu observando e acenando positivamente,
sentia nele uma cumplicidade, era como se já fossemos amigos, vez ou outra ele me perguntava algo, eu respondia e ele fazia alguma graça a respeito, queria poder saber sobre o que se tratava o discurso que ouvi naquela noite, certamente era algo maravilhosamente insano e interessante, e ele demonstrava uma qüerencia absurda quando falava, o que me assustava pois como profissional da informação (odeio essa lorota cretina, mas gosto do título) queria saber o que era regurgitado na minha orelha, haveria de ser algo importante, ou ao menos de alguma relevância, o que sabia era que gostava de estar alí, sentado num bar bebendo com o velho Falu, ele comentou que trabalhava com cinema, não com muito gosto porque era um "artista das palavras, um escritor", como ele mesmo disse, que havia morado no Rio por algum tempo e que tinha uma chacara na Reserva Florestal de Resende no Espirito Santo, disse também que morava nos alojamentos da USP, me deu inclusive o endereço, o qual pretendo investigar um dia (sei que não o farei, mas gostaria). A alguns instantes ele me parecia assustadoramente familiar, mas logo essa sensação sumia tão subitamente quanto vinha.

Assim como sempre que estou um pouco mais alegre logo deu a minha hora de partir, quando fui me despedir do velho Falu ele me pediu para aguarda-lo uns instantes, acatei, ele foi de mesa em mesa arrecadando dinheiro e ao voltar para a nossa mesa largou algo em torno de 4 reais, achei admirirável que ele quisesse pagar a parte dele na cerveja, vejo pessoas muito mais providas de finanças se esquivarem quase como se fossem artistas circences de pagar uma conta. Não aceitei e o sugeri que comesse algo com aquele dinheiro, então foi a vez dele acatar. Na hora de nos despedirmos me deu de um súbito vontade de abraçá-lo, mas ele me pareceu meio defensivo, e eu recuei, e logo me deu um aperto na garganta, como aquele que dá em eliminação de copa de mundo, passei meu e-mail e peguei o dele (esses bebados boêmios de rua andam tão modernos ultimamente), então civilizadamente ele me puxou -- quase rasgando a minha camisa -- pra perto de si dizendo que me ensinaria algo infalível para conseguir sexo a qualquer hora com a minha mulher, isso muito me interesou e ele me falou com um jeito bem explicativo "um amante nunca deve dormir, enquanto o outro dorme, para sentir e ver o outro acordar", estava com a noite ganha, o velho Falu me mostrou que sabia das coisas, depois aínda deu referências bibliográficas sobre a frase e me fez repetir até aprender cada sílaba, achei o máximo.
Quando achei que a noite estava ganha e que meu encontro com o velho Falu tinha findado ele me puxou novamente e me disse "quem você é?", fiquei intrigado, decepcionado, pensei que talves ele tivesse alguma espécie de lapso de memória, então ele disse novamente "quem você é de verdade, o que você quer, do que você gosta?", minha garganta fechou aínda mais, pensei no que diria para o velho Falu, me vieram milhares de pensamentos e ele disse, dessa vez com um ar incrivelmente didático "você não deve responder isso pra mim, responda pra você mesmo, mas pensa bem, pensa bastante pra se responder, essa é uma pergunta importante". Fiquei abismado, embasbacado, chame como queira mas fiquei também envergonhado, com o fato de menospresar a inteligência daquele homem que estava sentado à minha frente, e envergonhado também com o fato de não me fazer essa pergunta a tanto tempo.

Ouvindo:
Higway Blues - Ernie Watts
Ella Fitzgerald

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Suporte o que vê, banque o que sente.

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Não conseguia terminar a pintura, estava quente e a tinta pedacenta não parava quieta no rolo e caia toda no chão, não tinha com o que forrar e estava cansado demais pra tomar maiores cuidados, escorregava descalço no chão cheio de tinta, suava em bicas mesmo estando apenas de cueca e tinha fome, fome insolúvel pois os os oito reais que tinha já haviam virado um maço de cigarros, duas coxinhas e uma coca de seiscentos umas quinze horas atrás. Já tinha ouvido todas as músicas que tinha no celular, duas vezes, fora as que deixara no repeat por pelo menos umas 6 ou 8 vezes, “coisa de psicopata” pensava, apesar de nunca ter se esforçado  em provar pra si que não o era, agora então tinha mesmo era que provar que não tinha razão, não tinha vontades, era só uma meta e pra lá rumaria, já não podia mais adiar muitas providências, não podia sonhar e nem ficar viajando, achando que tudo se resolveria, nada se resolveu, agora tinha que acabar definitivamente com isso.

Deitou-se no chão achando que não levantaria mais, suas costas se espalharam na tinta, seus músculos esfriaram, o sangue quis coagular inteiro, fechou os olhos ouvindo Garage Fuzz, ficou pirando nos tempos de moleque quando não tinha esses perrengues pra resolver, respirou fundo e quando a mesmo música começou de novo abriu os olhos, viu o teto todo manchado pela água podre que escorria dos vazamentos no telhado, fechou os olhos de novo e lembrou de quando lixava o forro de madeira da casa dos pais, nessa época ouvia Pixies, Sonic Youth, dez anos depois e estava preso a um teto de novo, com os músculos prontos para arrebentar, com os olhos querendo fechar. 

 Pára! Vamos logo com isso caralho! — Ralhou como se fosse o próprio patrão, se jogou para fora do chão e pegou um cabo de vassoura pra mexer a tinta, não podia parar, nunca pôde, mas hoje é que não pode mesmo.

Mais umas horas e terminou a pintura do teto, olhou pra baixo e o chão estava mais branco que o teto, olhou pra si e estava também mais branco que o teto, mas não conseguiria mais nada naquela noite, partiu pra a lavagem do chão. Tentou raspar com uma espátula as partes mais secas, o que a cada movimento lhe parecia uma burrice maior, então lembro-se que comprara um limpa pedra que diziam surreal, e era mesmo, passou no chão e não conseguiu mais respirar, em volta dele o apartamento aumentava e diminuía de tamanho como se fosse uma sanfona, era soda cáustica e ácido sulfúrico suficientes pra refinar uma tonelada de coca, olhava para as paredes e elas não paravam de se mexer, as formas geométricas negras pintadas nelas tentavam falar algo, parecia um cover ruim dos últimos minutos de Diamond Sea, o rolo ficou mais pesado que a lata de tinta e só deu tempo de procurar um lugar seco pra cair.

Acordou no meio da madrugada ainda tonto, sem saber onde estava, se arrastou até a rua, sentou-se na calçada e olhou pra rua escura e deserta, respirou alguns minutos e entrou pra pegar um cigarro e uma bermuda. Voltou, fumou, acendeu outro na bituca e entrou de volta, pegou uma camisa e voltou pra rua, não pensava direito, estava caindo como se estivesse bêbado, e estava, era estafa, já não adiantava mais continuar, aquilo teria que ser suficiente, chegou no bar ainda tonto, pediu um copo d'água, engoliu sem nem ver e pediu outro, deitou a cabeça no balcão observando os vagabundos que lhe fizeram companhia por tantos anos, taxistas, prostitutas, insanos, traficantes, vagabundos de toda a espécie, olhava-os quase que com carinho, como que satisfeito por esta ser sua última noite ali com eles. Saiu do bar e foi fumar na calçada, sentou-se no chão e olhou pro céu que já tentava amanhecer, olhou para as mãos trêmulas sujas de tinta e queria entender como tinha chegado até ali. Sabia. Tinha aproveitado o que podia, mas agora não daria mais, agora era a hora de alcançar os líderes, um pique para não perder a esperança, olhou para o céu e ele ficava violeta, olhou para as mãos de novo e viu os calos, os machucados, os cortes, a tinta, as verrugas, viu que é velho e novo ao mesmo tempo, viu que merece o que tem porque é teimoso, viu que não tem nada porque gasta as coisas como gasta a si mesmo, todos os dias de cada vez, sabe que seus ossos não quebram com facilidade e sabe que no fundo não precisa sofrer, que cria as próprias dores pra ter sobre o que escrever depois, que chora as perdas pelos outros e não por si, sabe-se objetivo e sabe perder, e como sabe.