sábado, novembro 08, 2008

Coça aqui!?

Não é uma questão de gostar ou não do que se é, apenas o é, e eu tenho isso, carrego comigo, não que eu faça algo para manter ou mostre de forma especial. Na verdade sempre tentei evitar ao máximo mostrar, sempre evitei o que pude em mostrar minha pele. Não por ela, que admito achar até saudavel, mas por ser magro, em algumas épocas da minha vida, excessivamente magro. Acho que sai no máximo umas três vezes de camiseta regata em toda a vida, das três vezes duas foram na praia, onde não faz tanta diferença assim estar de regatas, já que já estou de bermuda mesmo. Eu não usava bermuda, nunca, tenho duas ou três hoje, a maioria das que tive foram-me dadas, acho que comprei duas bermudas a vida toda, se não me engano, de resto só se me derem, porque sei que dificilmente irei usar. Praias de nudismo me trazem uma tranqüilidade, sem falar na Praia Grande. Ver um monte de gente esquisita me dava forças para poder tirar a camiseta e entrar no mar, apesar das micoses. Eu entrei de camisa no mar centenas de vezes. Acho esta uma auto-repressão essencial na minha vida, muito simbólica. Cresci e passei a ligar menos pro que os outros pensam. Verdade que também engordei bastante nesse tempo. Cheguei a ficar flácido sem ter ficar bonito entre uma coisa e outra, como acontece com o Homer Simpson certo episódio. Agora me sinto bem melhor, não chego a ser atlético, na verdade acho meus braços magros demais e meu abdômen sem forma, assim como tudo, sem forma. Mas já está melhor, agora tiro a camisa até na USP ou em parques, perdi um pouco a vergonha da minha pele. Em parte por ouvir repetidas vezes que eu tinha uma pele gostosa de pegar, o que é uma carta cega, já que se ela é gostosa de pegar isso não a torna melhor de ser vista. Mesmo assim resolvi assumir minha pele, meu corpo, minhas cicatrizes. Não tenho muitas, mas tenho carinho por elas, não sei se por uma questão de hombridade ou só pela lembrança simplesmente,  gosto delas.

Essa é uma coisa que eu já havia notado, sempre notei na verdade, como uma ruazinha pela qual você nunca passa, mas quando passa olha sempre pra mesma casa, como uma uma favorita, e esse lance de “sua pele é gostosa” é uma dessas casinha. Na verdade isso me chama atenção porque sou adicto em me coçar, é como uma doença, provavelmente é. Tenho uma coceira constante, irritante, de tirar do sério na verdade por cerca de 90% do dia.

Pelo corpo todo, porém de tempos em tempos o foco central, onde fico com marcas e de onde sangra, esse foco migra, nunca procurei identificar a lógica da migração, mas deve haver alguma. No começo me coçava muito o pé esquerdo, era infernal, do lado de fora do pé, no tornozelo na verdade. Eu me coçava até sangrar, até doer pra valer, tinha sangue em todas as minhas meias, e isso durou anos, fui a vários médicos diferentes, usei dezenas de pomadas, comprimidos, o que havia. Ouvi os nomes mais diversos, era até engraçado às vezes ir a um médico novo, eu tinha uma lista de nomes de doenças, de remédios e de cremes, eles tinham uma lista de medicamentos para propor e que em pouco mudavam a situação, eu já havia usado ao menos meia dúzia e dizia “esse não funcionou, não tem outro?”. Todos sempre concordavam que não era bacteriano e nem viral, era de dentro pra fora. Um dia desisti, me resignei. Tentei a Yoga antes, mas também não foi muito eficaz. Depois de passar pela nuca, pela virilha, pela perna direita e pelo pescoço ela se concentrou na axila agora, não sei nem desde quando. É engraçado ouvir que algo em você é bom quando essa parte vive se despedaçando, machucada, sangrando, e as pessoas mal se dão conta. “Deve ser tique” devem pensar.

Já pensei que poderia ser uma espécie de inveja, como se quando dizem “sua pele é gostosa” eu tivesse, numa reação de inveja a vontade de rasgá-la com minhas próprias mãos. Nunca descartei por completo essa hipótese, apesar da esperança de que meu subconsciente não seja tão imbecil. Acredito mais na autopunição por culpa, meio Stanleenesca por ser a minha pele o que faz eu me envolver mais intimamente com as pessoas, e as relações que eu construo em cima desses “lances de pele” acabam boa parte das vezes causando muita dor, pra mim e pras pessoas que eu gosto, daí eu me coço até rasgar para me punir pela dor causada ou pra me livrar dessa pele, dessa parte minha que atrai as pessoas, atrai para o meu mundo instável, problemático, excessivamente empírico, magro e barrigudo como um desenho do Marcatti. Acho que por isso gosto do Cable (X-men), sempre lutando com o poder da mente contra a autodichavação, lutando contra uma parte dele que está "se matando".

Dia desses vi o “Control” (Anton Corbijn, 2007), a biografia do Ian Curtis, e fiquei pensando sobre como é ser epilético, eu era epilético, por pouco tempo, mas fui. A psicanálise acreditava (não sei ao certo se isso foi totalmente desmentido) que a epilepsia era uma tentativa de suicídio, como se o corpo quisesse matar seu dono...

Na bula do remédio que tomei para a epilepsia dizia que eu poderia ter coceiras e erupções cutâneas, nas reações adversas. Então em vez de me matar eu passei a tentar me deslatifundiar do meu corpo, na unha.

O Ian Curtis e o Cable não são exemplos muito... Científicos pra, bem, pra diagnosticar uma alergia psicossomática que eu já tenho faz quase dez anos.

 

Ouvindo:

Deftones – Be Quiet and Drive, Dai the Flu, The boys Republic

Cat Power – The Greatest, He War, Naked if I want to

Paige – No surprises (Radiohead cover)

Imogen Heap – Hide and seek

Moby – Porcelain

PJ Harvey – The slow drug

Nina Simone – Don’t take all night

Björk – So broken

Erik Satie – Gymnopedie #1