quinta-feira, outubro 21, 2010

As busca incessante por noites bem dormidas, por sonhos sem fim, por acordar cedo tendo dormido muito e por curtir a noite toda sem ressaca de manhã. A busca de hoje que já é a de ontem que sempre foi a mesma e nem se percebeu. A percepção de tantas coisas em tantos prismas e dimensões e espectros e quantidades e em todos os sentidos sentida firme no peito afundado de fome apertado encurralado sombrio e raivoso e explodente, estourante, magnífico e dolorido angustiado machucado massacrando e doendo e pulsando enfezado de água suja e poeira e frio e calafrio do calor da febre e do desajeito das costelas apertadas da cabeça inchada do cérebro balançado bagunçado monotrilhico enrugado parafusado de baixo pra cima com uma chave Phillips.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Elevador

São Paulo sempre foi uma cidade de pessoas esquisitas, eu como adoro bater perna dificilmente passo um dia todo sem encontrar alguém que fale aos quatro ventos sobre o fim do mundo, ou que escolha um estranho na multidão, geralmente alguém que não esteja ligando, como eu, para falar sobre suas armas que foram roubadas do castelo, o frango que comeu inteiro, as injustiças da vida de ladrão, sobre quando encheu a cara e fugiu do aniversário do filho descalça, sobre como lidar (ou como não lidar com a morte de alguém próximo), sobre as naves, as energias, os militares, as epidemias, os castelos, os covardes, as agruras, essas coisas que acontecem diariamente na vida de um maluco. Caminhar por São Paulo é como uma fábula, uma analogia viva do que é possível na cabeça de alguém. Tomo tudo por verdade, afinal, quem sou eu pra dizer que alguém está delirando, logo eu!? Acho que aí que mora a graça da cidade, só duvido se for realmente importante, se alguém te diz que tem um castelo com vários equipamentos sociais porque eu vou duvidar? No máximo vou pedir pra ir junto.

Segunda-feira, oitavas de final da copa, Brasil e Chile. Vou comprar o almoço, entro no elevador no 13. Não sei se é por causa do Zagallo mas o elevador chega cheio ao último andar... deve ser pra dar sorte.

Entro, um aperto, aperto o botão, 6 pessoas, nenhum “boa tarde”.. geralmente eu já ficaria na nóia “será que eu to fedendo”, “causei ontem? Será!” “Marofei?” “óculos escuros no elevador às 14 da tarde pode né?” Incomodo, o elevador é lento, as pessoas nem se olham, no máximo uma bufada, uma conferida no bolso, uma coçada na barba, parece tudo muito esquisito, se fosse no Japão e esperaria por um ataque ninja ou químico, mas é São Paulo e é copa do mundo, todo mundo fica estranho na copa... Desço, os outros também, sem tchau, nada, só a respiração funda e os olhares concentrados em algo entre as pontas dos pés e o chão. Na rua mais gente nervosa, no mercado a caixa suava de pingar, no açougue o Josué com os braços cruzados já não queria atender mais ninguém. Corre-corre, filas, ruas pintadas de verde e amarelo, o time está mais ou menos, de novo, a primeira fase foi difícil... deve ser isso.

De volta ao prédio encontro no hall do térreo um senhor, cabelos brancos e olhos bem azuis. Um aceno de cabeça, tímido, mas já bastante efusivo perto da saída. Não me contive.

- O povo na rua ta nervoso hoje né? – Soltei, só pra descontrair.

Ele me olha sério, por sorte ainda estou de óculos, senão teria definhado, sério, em um segundo a idéia de contato humano parecer a maior burrice do mundo.

- Esse país pára! É ridículo, o cumulo! – Engoli seco, ele me olhava com os olhos arregalados.

- É né, as coisas vão mal. – O que mais poderia ser dito? Não me ocorreu nada, juro.

- Esse mundo devia acabar! – Exclamou sem pestanejar.

- É né, 2012 tá aí já né! – Que idéia genial falar sobre uma lenda com um cara desses. Ele franziu a testa ainda mais... agora eu tava com medo.

- Quando o mundo acabar não vai ter 10 pra salvar, vai morrer todo mundo. – Falou olhando pro meu hipotálamo.

- Glup. –

O elevador pára, ele vai indo pra porta ainda me olhando, acena com a cabeça novamente... ufa! Sobreviv..

- Boa tarde! – Falei quase comemorando.

Do lado de fora ele se vira e com aquele olho azul gigante me olhando:

- Põe a cabeça aqui! – Decreta.

- Co-coco... coméquié? – No susto eu tinha encostado na parede do fundo do elevador..

- Põe a cabeça aqui, to falando?

- Ma-ma-mas porque? – Fui me adiantando vagarosamente tentando entender do que se tratava.

- Põe a cara aqui que eu to te falando rapaz! – Repete ríspido.

Procurei uma câmera escondida.. nada... como bom frouxo acatei, com uma mão segurando a parece do elevador e a outra segurando a porta coloquei a cara pra fora do elevador.

- Ta sentindo? – cri-cri-cri.

- Ta sentindo ou não? – Pela cara e pela distância só podia ser cheiro, e tinha sim um cheiro estranho no ar.

- Tô... – Será que eu to? – É... carne com abóbora? Parece bom! – Falei com aquele sorriso amarelo de quem não quer mais fazer amigos.

- NÃO! É o cheiro desse cachorro!! É todo dia assim, eu não agüento mais.

- ahhh... – “Que cheiro?” pensei – É ruim né...

- Isso tem que acabar, eu vou... – Deu uma bufada e – terei que tomar uma providência... – Falou enquanto a porta se fechava lentamente.

– É fogo né? Boa tarde! – Falei só pra não entrar na lista, afinal, caras assim devem ter listas.

Só tem maluco nessa cidade...