sábado, janeiro 12, 2008

Uma noite e nada mais.

Existem contendas nas quais não se entra, você simplesmente não entra nelas porque o resultado é certo, ou não é desejado, seja ele qual for. Algumas noites como esta são duras, você lembra de coisas que não deve, a solidão e a próxima música vão te empurrando para partes de você que são pouco conhecidas, pouco exploradas, e é fatal, é como um abismo, você tem que pular. Não sou acostumado a perder, pelo menos não quando luto com alguma gana, segundo a minha irmã eu tenho toda a sorte que uma pessoa poderia desejar, sobre isso só sei que não tem a ver com a minha data de nascimento, senão trinta minutos poderiam ter sido fatais quanto a isso.

Acho que é mais uma questão de escolhas, eu faço as minhas apoiado em muitos pilares, quando existe tempo pra isso, existem horas em que você tem simplesmente que pular, entrar ou correr, e é nessas horas que eu acabo encontrando o chão, a parede, as pedras ou palavras mais duras que o de costume, e essas costumam ser bem mais doídas que as pedras.

Noites como esta são sempre assim, apesar de hoje eu não ter o habitual vinho à mão e sim uma coca-cola sem gás, morna, e um ventilador, no lugar do aquecedor que me acompanhou nos meus primeiros meses nesta humilde e bagunçada morada. Vejo na cozinha a louça se acumulando, aqueles mosquitinhos de banana, sabe, aqueles minúsculos? Ela está cheia deles, me intriga o porque de eles não saírem da cozinha, já que tem sangue e cerveja pelo chão da casa toda. Deve ser uma questão de segurança, já que eu quase não tenho entrado lá, uma boa escolha a deles, creio eu.


Penso e rio de várias que tenho ouvido por esses dias, como o sonho de um amigo de cruzar a “BR-66” de moto, um cara de personalidade com certeza, pois a viagem deve ser duríssima. Estou numa época em que as pessoas que me rodeiam pouquíssimo ou nada me incomodam, os amigos mesmo eu já saquei quem são, as situações se debruçam umas sobre as outras e a gente cai e cai, e as mãos, algumas mãos estão sempre ali pra uma cerveja, pra olhar o mar, pra ver as faixas na estrada virarem lendas, virarem histórias, mentirinhas pra contar no próximo bar, na próxima cerveja.


E a noite continua trazendo consigo mais memórias abotoadas em músicas da Pitty, do Sublime, do RHCP, do Cure, memórias de outras noites mais agitadas, de outras escolhas mais difíceis do que a palavra que vai segurar a sintaxe em cima, o copo que não tem vestígios de vodka, o creme pra dor, o comprimido pra inflamação, a música que vai inspirar ou a que vai relaxar, essas noites são muito fáceis, pois um andar nem machuca.

Aprendendo a escrever.

Um dia desses uma jovem amiga me pediu para ensinar-lhe a escrever contos, não foi a primeira vez que me pedem isso mas acho que é a primeira vez que o pedido era pra valer, e não uma forma sutil de me tirar as calças.

Nem mesmo respondi ao pedido por achar algo inusitado, sem sentido mesmo, como vou ensinar alguém a contar uma história? Você simplesmente imagina ou lembra da história e a escreve, fácil assim. Além do mais, nos últimos tempos ando tão fora de forma que qualquer conselho poderia atrapalhar mais do que ajudar. Pensei em dar pra ela aqueles guias de redação da Folha, que eu acho bem interessante pra quem está começando, mas acho que é meio técnico demais pra alguém de 12 anos, por isso tentei me Lembrar de como comecei, e aliado a isso, entender porque estou tão parado nos últimos anos.

Essa escavação me levou até os meus 12 anos, quando eu morava em Interlagos e ficava recitando poemas freestile pra Lua antes de dormir. Tudo começou pra mim na poesia, apesar de hoje eu apreciar bem menos. Eu ficava sentado na laje da lavanderia sozinho, olhando a Lua, as estrelas e o transito da avenida Interlagos e ficava lá, declamando poemas de amor e de aventura já que na época a aventura se fazia presente em cada nova esquina que eu virava, e o amor era também uma aventura, por sua novidade e pela intensidade de emoções que este me proporcionava, era como uma caixa de bombons, e eu sempre fui um guloso, sempre apaixonado, fascinado com aquela coisa nova e gigante que nascia no meu peito depois de receber um sorriso carinhoso ou de aquela vizinha soprar o arranhão no meu joelho.

Depois de alguns meses eu me mudei, e a laje ficava bem na janela do meu irmão mais velho. As paixões de verão continuaram, se acentuaram, os beijos franceses vieram e com eles novas sensações, mais físicas, mas inebriantes, mas a laje não era mais minha e as estrelas me chamavam de volta sem sucesso, pois a minha vida começou pelos 13 ou 14 anos a ficar mais noturna, e já não dava mais para admirá-las quieto, sozinho.

Com essa vida mais agitada descobri o papel e a caneta, amigos que me acompanham até hoje, pra quando quero viajar pra longe da guria que preferiu o cara do fim da rua ou pra aplicar o que eu aprendi na aula de história e nos filmes do cinema em grandes épicos de ficção científica. Mas faltava alguma coisa, faltava realismo, não sei porque mas minhas narrações não tinham muita vida, eu era um patinho feio na rua, e no meu caderno eu era o rei de um castelo de papelão e a minha princesa era um Picasso pontiagudo e sem perspectivas. E foi aí que eu conheci um grande amor, com toda a dramaticidade de uma história das boas, família que não pode saber, monstros que tentavam nos separar, amores antigos, demônios que tentavam me tirar do meu caminho, intrigas, incompatibilidades (e eu não sabia que elas sempre existiriam), enfim, um romance cheio.

Em decorrência desse amor e de episódios outros da vida aprendi aos poucos a mentir, verbalmente não sei até hoje, pode-se perguntar a qualquer um que me conheça, sou um fracasso nisso, mas aprendi a criar histórias lógicas como um jogo de Sudoku, e este era o desafio, mentir sem deixar brexas, de forma que ninguém pudesse suspeitar de nada, até porque na hora de verbalizar eu gaguejaria, ficaria me coçando, olhando pro alto e isso tudo devia ser neutralizado com uma história acima de qualquer suspeita.

Com o tempo as histórias foram ganhando em complexidade e quando me encontrava com o papel ele acabava experimentando passo-a-passo dessa evolução.

As mentiras fora do papel acabaram com a relação que eu tinha, mataram o amor aos poucos e acabaram m deixando só. Quis parar de mentir, dentro e fora do papel, lutei por isso por muito tempo, mas só o papel sabe que eu já não podia vencer aquilo, e ele agradecia pois me enterrei nele até o pescoço, e com o tempo o amor voltou a bater na minha porta, mas eu já era experimentado, não deixaria mais as coisas ficarem como da outra vez, e me precavi, me precavi pra valer, mesmo o papel ficou de lado pra que eu pudesse me concentrar na não-mentira, pra que eu pudesse experimentar daquela primeira felicidade novamente. Não existe suspense algum nessa história, perdi, a volúpia e a mentira se uniram em me derrubar, e caí, de quatro, ou como dizia o Nelson Rodrigues “de gatinhas”, termo que aqui ganha um cruel duplo sentido.
Sínico pensar que o primeiro show de rock que eu fui teve a apresentação de um cara que tinha como o seu maior sucesso a música “Liar”, que eu não conhecia aos meus 7 anos, época da apresentação, mas que viria a ser o hino da minha derrota, da minha derrota pra mim mesmo e para os meus instintos mais perversos.

Com o tempo aprendi a moderar meus instintos, junto com os maus também os bons hoje são bem mais sutis, o amor já não arrebata e contorce as tripas como antigamente, a libido foi parar na terceira gaveta, a mentira e a perversidade são hoje utilizadas de forma muito mais defensiva, já não se fazem necessárias a todo o tempo pois a criatividade parece agora engessada, entalada como o meu dedo anelar, inutilizável.

Quando encontrei minha morada atual, definitivamente sozinho, procurei a lua logo nas primeiras noites, antes do computador chegar, encontrei-a pálida, sem a saudade e sem o carinho de antes, me descobri menos lírico do que nunca, engessado pro uma métrica massacrante, procurei o amor e ele era ordinário demais pra ocupar mais do que duas páginas, procurei a aventura mas estava cansado demais mesmo para atravessar a rua, procurei o papel e vi pouca luz, um vinho fraco, o tapete sujo e idéias desconexas e sem sal, me descobri um chato, como não achava que poderia ser mas que no fundo sempre fui, talvez não chato para os outros, pois esta mentira não deixou de funcionar, mas chato pra mim, porque de tanto que me protegi acabei sozinho de mim, e quando vou escrever no blog fico me vigiando para não magoar um aqui, outra ali, pra não chocar a família ou pra não ser processado por qualquer desocupado, preocupações essas que me murcharam ainda mais e que me deixam longe dos cadernos, o que minha pequena amiga, se você quer mesmo escrever, é o suicídio mais eficaz que existe.

Ouvindo:

Henri Rolings – Liar