sexta-feira, março 21, 2008

A massagem.

É uma grande responsabilidade ser massagista, pode parecer um trabalho comum, mas você acaba envolvido com as pessoas, você conhece o corpo delas melhor que elas próprias, sabe quando algo está errado. E tem o toque, o toque que te põe numa sintonia com o seu cliente que a palavra cliente, o dinheiro pago, o mundo exterior, tudo parece sumir por cinqüenta minutos.

Sou massagista faz 3 anos num dos principais clubes de Belo Horizonte. Por sua localização, num bairro modelo de BH, o clube é muito bem freqüentado, apenas as pessoas mais influentes da cidade o freqüentam, sobretudo advogados e políticos. Um dia me liga um médico, muito amigo, que depois de algumas seções passou a me indicar alguns clientes dele. “Luis, esse cara ta precisando de ti, acho que se tu não der jeito ninguém mais dá” disse ele. “O cara não dorme mais, se tu fizer esse cara dormir ele te dá tudo rapaz, capricha!”

Esperei por esse cliente especial. Estava acostumado com isso, tinha as pessoas nas mãos, o dia todo, se alguém podia devolver o sono pro rapaz, esse era eu. Me sentei num banquinho de vime perto da sauna e aguardei, o cliente devia chegar a qualquer momento, tomei minhas pílulas e fumava um cigarro, vendo o entra e sai da sauna, pensando na minha mãe em casa, com Parkinson, nos meus irmãos com quem não me dava desde a morte do papai. Nove tiros, cretinos, não estavam nem aí pra nada, só queriam sugar a pensão da mamãe.

O cliente chega, não precisava nem falar, cada músculo do homem estava a quarenta e cinco graus, seu rosto estava transtornado. Me apresentei, ele nem viu, deitou de bruços. “Só me faz dormir”.

Tirei a toalha, se tinha algum músculo relaxado nele antes agora não tinha mais. Comecei pelos pés, ele mal se mexia. Subi para as pernas, devagar, ele não respirava. Conhecia aquela aflição, a respiração curta, nervosa, os pés pareciam tijolos. Fui direto pra cabeça, sem rodeios lhe puxei os cabelos da nuca, com toda a força, puxei e puxei de novo, e ele num súbito deu um inspirada profunda e urgente, como se estivesse saindo dum aquário. Eu não podia perder aquele momento e logo enfiei meus polegares nas suas nadegas, com força, no ponto onde começa o equilíbrio, ele tremia, mas tremia feito louco, e eu apertava mais forte, ele quase se debatia quando começou a chorar, chorar copiosamente, ele sangrava pelos olhos, e socava o travesseiro, e chorava. Eu apertava cada vez mais forte. Ele chorava cada vez mais forte, e ele doía, e doía, e gritou “ela não pode ir embora!! Se ela for embora eu juro que eu mato aquela...” cheguei bem perto da sua nuca e acalmava-o “calma, você tem a mim, você tem a mim..” e naquele momento senti que tínhamos uma ligação improvável, a dor dele passava por cada veia e nervo dos meus braços que implacáveis esmagavam suas nádegas e espremiam pra fora dele toda a revolta de um abandono que já não era mais nada, ele era a angustia, ele era angustia, dor, e eu estava ali, para extirpar dele aquele sentimento de impotência. Ele chorava, revoltado, completamente revoltado, e eu só podia, naquele momento, doar meu talento, doar minha força pra desfazer aquele nó, aquele trecho de morte. Por quarenta minutos apertei suas nadegas até que sua respiração se acalmou, e ele enfim dormiu. Cobri o corpo daquele homem grande e angustiado, acendi um cigarro e observei seu rosto tomando novos contornos, seu corpo se derreter sobre a maca, sua pele ganhar uma cor mais leve, seus cabelos caírem na testa, sua respiração tomar um ritmo mais humano, pois agora seus pulmões só precisariam alimentar um corpo, uma alma, e não todo o exercito do demônio que florescia em seus músculos exaustos.

Dias depois ele voltou, mais calmo, fiz meu trabalho, conversamos, ele me contou sobre a guria que teria deixado ele na lama, eu conhecia aquele sentimento bem, fiz o que me cabia, ouvi. Porém, existem horas em que é difícil ser profissional, falamos sobre o relacionamento dele, ele se abriu completamente, como se tirasse a toalha de seu coração e o deixasse à ponta dos meus dedos, assim como fez com sua pele. E por várias tardes tivemos nossos encontros, sempre tocantes, sempre intensos, cheios de cumplicidade, de carinho, de força. Depois de pouco mais de um mês ele apareceu calmo, parecia outra pessoa, estava sorridente como eu nunca vira antes, fiz a massagem, como de costume, senti seu corpo todo na ponta dos meus dedos mais uma vez e fiquei satisfeito, como ele parecia estar. Quando se vestia para sair me disse que passaria uns quinze dias na casa dos pais, no Espírito Santo. Perguntei se ele voltaria e ele com um rosto sereno me respondeu “como poderia não voltar”. Então terminou de se vestir e foi, acompanhei-o até seu carro, já estava pra fechar. Chegando no estacionamento parei no portão e fui abrindo, ele entrou no carro, engatou, foi saindo, quando chegava no portão me gritou “então é a última vez que nos vemos!”, fiquei confuso “Como assim, tu não volta em quinze dias?”, ele deu um tapinha na testa, sorriu “e não é que eu tava me esquecendo, um beijo!” e partiu.

Achei muito estranho aquilo, de dizer que não voltaria, acendi um cigarro e fui pro banquinho de vime, perto das saunas, pensava no que ele disse, pensei em como ele estava desde que chegara, estava estranho, calmo demais, feliz demais, parecia falso, seus músculos estavam frios, como se tivesse acabado de acordar, estava estranho, não gostei de tocá-lo, pela primeira vez me senti inútil, como uma máquina engrenando outra, como se alisasse um boneco, e aquela história de não te vejo mais... caralho. Já conhecia toda a história dele, era um dos mais renomados advogados da grande BH, a guria por quem chorou na primeira seção era uma ex-namorada por quem era loucamente apaixonado, mas que não queria vê-lo nem mesmo pintado de ouro, o que pra ele era inconcebível.

Fechei minha sala e saí, ainda me indagando sobre o que estava errado naquilo tudo. No caminho para o ponto de ônibus vi uma aglomeração no posto BR, do outro lado da rua perguntei pra um ambulante o que estava acontecendo, e ele disse que um cara tinha metido uma bala na boca bem ali no posto mesmo. Perguntei se era alguém do bairro, do clube, ele disse que parecia daqueles sócios ricaços do clube. Não falei mais nada, apenas me dirigi em direção à multidão, não sentia ninguém, não via ninguém, apenas andava na direção daquele que eu sabia, era dono do único e mais sufocante amor que eu jamais sentiria novamente, cheguei à beira do carro e vi sua cabeça deitada no volante, o topo de sua cabeça despedaçado e os ombros ainda brilhando por conta dos meus óleos de massagem.

Não me revoltei, não pensei em nada, apenas me virei e segui, e não toquei outras nadegas, e não ouvi mais lamentos.

Limonada Suissa II

“Trinta e sete, foda-se, vou pra rua.“
Me vesti, saí. No terminal de ônibus o telefone “não é você que gosta de Pixies?”. “É, se tem alguém que gosta sou eu.” “Você sabe de Curitiba né? Vai ter show, mas não vai ter ingresso?” Que porra é essa? Odeio gente que dá notícia picada. “Quando você chegar no bar te conto!” “Vá pro caralho!! Que que você ta falando?” “Começou a vender hoje ingresso pro Pixies em Curitiba, mas acabou em duas horas. “Vai se fuder!”
Desliguei, em uma hora tava no bar, o Alex me explicou a história toda. Com febre desde o carnaval em tinha ficado no boato de que o Pixies voltava, quando volto pra vida os caras já estão escalados pra tocar em Curitiba no mês seguinte. E com ingressos esgotados. Bebi as que cabiam na amizade, eu estava falido e o Alex querendo dar uma força. Do bar pro banco, cartão, senha, EMPRESTIMO, 140 merréis mais rico e endinheirado. Lan house, garoa, e-mail, ela, saudade, carinho, gostoso, te QUERO AQUI, suas pernas, meus seios, a pinta pulsando, parei, http://www.curitibapopfestival.com/ , 5 e 6, Teenage Fanclub 5, Pixies e Pin Ups 6, suor, euforia, olhei os 132 contos, a madrugada tava fria, final de fevereiro, chuva, a pinta, as pernas, a estrada, pulsando. Tinha uma semana pra descolar a diferença. Eu nem sabia de quanto era a diferença.
(...)


_ Aí Zé caralho, cenzão porra!!!
_ Vá te fude, ta achando que eu sou banco é?
_ Mano, sempre te descolo grana, gramas, quando que eu te neguei alguma coisa seu bosta? Vai entrar nessas de miguela agora é?
_ Não é miguelagem, é que não dá mesmo, Falou!
Filho da puta, desligou na minha cara.


(...)


_ E aí Mad, vamos pra Curitiba?
_Quando?
_ Esse final de semana mano, show do Pixies, to pilhado, ainda preciso levantar os ingressos.
_ Não vai rolar cara, tenho um amigo pra ver lá, mas agora não dá.
_Vá pro caralho que o Carregue então!!
Eu não queria, mas precisava desligar na cara de alguém pra relaxar.


Fui sozinho, fiz uma reserva no albergue e pronto, fui, com a grana do albergue, algum pra comer e 60 pilas pra tentar o ingresso. Cheguei na cidade umas 23h de sexta pra sábado, puta frio, como sempre, liguei pra guria da pinta. Chegando na rodoviária estavam lá ela, uma amiga muito engraçada e um cara também bem bacana. Comemos, bebemos, falamos sobre mil assuntos e eles me deixaram no albergue, depois de quase arrombar a porta do albergue pra entrar e depois passar meia hora pro cara encontrar minha reserva fui pro quarto. Dormi com a sensação de que seria um bom final de semana.
Acordei às 9h, pilhado, me vesti e fui na direção da rua das flores. Antes parei no shopping Estação, lan house, post no blog, café e voltei a seguir meu objetivo. Logo a guria me disse que não poderia me encontrar durante o dia, mas me deu o endereço de uma festa que ia rolar à noite. Não sofri, era até bom, porque eu precisava levantar aquele ingresso a todo custo.
Andei a cidade inteira, perguntei pra todo mundo e ninguém nem sabia do festival. Achei estranho e continuei. Num estúdio de tatuagem um cara me disse que o festival era daqui a um mês, mas que eles iam mudar o local, pra caber mais gente, pra ter mais ingressos. Não seria mais na Ópera de arame, e sim na pedreira. Fiquei satisfeito com a informação, só me senti meio tonto por ter errado o mês do show. Mas melhor assim, ao menos eu já conhecia a cidade.
Voltei pro albergue depois de andar o dia todo, logo na chegada encontro Hernandes, um uruguaio que mora em São Paulo com o pai, um alfaiate que tem uma loja na galeria do Rock faz 30 anos. Falamos sobre música, trocamos informações sobre a cidade e compramos algumas cervejas, tomamos na sala de TV do albergue. Era semana da moda em Curitiba, e o albergue estava cheio de garotinhas, 15, 16 anos, magras e com cara de fome, umas graças.
Ficamos ali bebendo e vendo as pequenas passarem, pelas 22h ele foi pro 92º, a casa alternativa mais conhecida da cidade. Em seguida chegou minha carona, a Morgana e minha gata de carnaval. Fomos pra festa, no norte da cidade, num bairro bacana, cheio de praças, avenidas largas, e uma balada cheia e quente. Eu já estava alucinado, cidade nova, pessoas novas, lugares novos, cerveja barata, uma gata quente e uma festa louca. Eu suava,dançava, falava, conheci dúzias de pessoas, corria pelo bar, de um lado pra outro, até cansar, e cansei, de uma hora pra outra. Dei tchau pra gata e fui andando pro albergue, atravessei a cidade de novo. As luzes da cidade, amarelas, viajando na fumaça louca, no silencio sinto essa fumaça me lavar o rosto, vivendo essa lucidez tão louco, contemplando a noite, a cidade, as pessoas, pensando no show, na guria, no mundão sambado que tava aí de pernas abertas. Cheguei no albergue e encontrei o Hernandes, mais alguns caras, cariocas, paulistas, um mineiro, um argentino, duas guriazinhas de Floripa, daquelas magrelas da semana de moda, peguei uma cerveja, um fumo, o assunto e assim ficamos até quase amanhecer.
Acordei quebrado, no albergue não tinha ninguém. Me vesti e corri pro mercado municipal, depois cerveja e X-tudo no centrão, então encontro a minha guria no shopping estação, ela parecia seria, um pouco triste de repente.
_Que que há?
_Nada, é que vou ter que ir embora daqui a pouco.
_Como assim, você acabou de chegar.
_É, mas vou ter que ir.
_Porra, vim de São Paulo e a gente mal ficou junto, pra onde tu vai?
_Vou ter que sair com a minha mãe, temos umas paradas pra comprar aí.
_Então tu vai pra casa?
_É _ Disse ela encabulada.
_Vou contigo então, já conheço o centro, quero saber onde tu mora.
_Mas, é que...
_Relaxa, não entro, vou só até a entrada, quero dar uma volta.
_Tá bom... Quer beber alguma coisa?
_Sei lá, deixa eu ver... O que que é Limonada Suissa?
_É tipo uma limonada normal, só que mais doce.
_ Mais doce como?
_ Sei lá, acho que é com leite condensado no lugar do açúcar.
_ Legal, vou dessa.
_Eu também.

Indo pra casa dela pegamos um ônibus, depois outro, e outro, não conversávamos muito, ela não parecia muito satisfeita. Na verdade eu também não estava. Entramos numa grande avenida, uma linha reta enorme, o céu estava cinza azulado, garoava, como sempre em Curitiba, o ônibus subia e descia por aquela avenida árida e irritantemente reta, ela devia ir até Londrina ou coisa parecida. Depois de um tempo descemos, tinha um supermercado com um prédio fincado no meio, entramos no prédio, um grande lobby, alguns vizinhos, boa tardes, um sofá, nos sentamos, conversamos sobre o que seria daquilo, um futuro, sei lá, sem resoluções, não parecia importante àquela hora, o vento era frio e cortava a pele, tiramos algumas fotos, demos risadas, ela subiu, eu tomei o rumo de volta. No caminho pensava em praonde ir, o que fazer daquilo tudo, eu estava a seiscentos quilômetros de casa, e tinha feito o que podia, agora tinha outro encontro marcado pra dali a um mês, quando aí sim, veria os Pixies.
Chegando de volta no albergue e lá estavam os mesmos caras, eu ainda tinha doze reais e a minha passagem. Fizemos um catado e compramos vodka, cerveja, mistura pra vodka, e fomos pro albergue, às pequenas passavam mas não se animavam a nos acompanhar, até umas nove da noite. Minha passagem era das onze e cinqüenta. Aos poucos o refeitório foi se enchendo, as pessoas foram se animando, as gurias estavam a toda, Carolina, uma gracinha de 15 anos e camiseta do nirvana era a que mais se soltava, era arrogantezinha, inteligente, bonita, com grandes olhos azuis e pernas longas e finas. A irmã estava puta da vida, corria feito louca dali pro quarto e pro lobby, reclamava, a gente só ria, Hernandes só queria encher a cara pra esquecer do frio, olhei no relógio e eram duas da matina, foda-se a passagem. Fomos de uma garrafa a outra e a mesa estava melada de refrigerante, frutas e açúcar, eu estava como gostava, rindo e ouvindo estórias mil, a magrela de repente me pega pelo colarinho e declama uma poesia, disse que ela mesma escreveu, era boa, angustiada, doída, bem 15 anos. Me derreti, me entreguei, o futuro e a tarde eram uma viagem paralela àquelas horas. Afinal de contas, eu estava na cidade mais fria da federação, com uma guria de pele fria, em cima de um balcão sujo de vodka e com a impressão de que tinha passado um ótimo final de semana na estrada.
Ouvindo:
Pixies: Broken face, something against you, isla de encanta, bone machine.

segunda-feira, março 10, 2008

Limonada Suissa - Parte I

Eu tava puto da vida, passar carnaval em São Paulo é sempre uma merda, sempre. Não tinha nada pra fazer, não sabia o que fazer, daí decidi ir pra Augusta, onde mais, se tinha sobrado alguma vida em SP era lá. Coloquei a pior roupa que eu tinha e fui, tava na lama, então me sobrava abraçar a bosta. Na primeira esquina um desesperado me pede uma grana, diz que tem mulher e filha com fome na próxima esquina, tremia e chorava feito louco, eu na hora, na hora soltei quatro contos, na hora, o cara saiu todo tremendo, mas parecia meio satisfeito. Fiquei também, por cerca de 4 segundos, depois pensei na pedra que ele fumaria, e donde, se é que tal puta e a filha eram verdade, ele as esqueceria. Fiquei puto sem evidencias, no próximo filho duma puta pedinte dei um murro na cara, antes mesmo d’ele terminar o discurso, filho da puta, caiu e desmaiou como nenhum pai de família seria capaz, nem suspirou, nóia filhodaputa. Já estava louco da vida, andava aos pulos, rangia os dentes, chutava cada pedra solta do chão, balançava os braços procurando assunto em qualquer coisa, e nem tinha encontrado o Mad ainda, esse era um colega de trabalho que duas horas antes eu tinha descoberto que estava na cidade, já era melhor que ficar em casa. Encontrei com ele no BH, quando este ainda era um bar de respeito, cheio de junkies e putas, e com a cerveja a um preço honesto.

Tomamos algumas, uns conhaques e umas São Francisco, como era costume meu àquele tempo. Ele não tinha costumes ainda, mal sabia que era bicha e não conhecia a noite, absolutamente. Tomamos aquelas e fomos pra Aloca, o melhor lugar pra se ir num sábado de carnaval. Como eu não esperava nada que prestasse daquela noite acabei escolhendo o lugar com mais chances de encher. Além do mais, ia com a cara do Mad, ele era engraçado, e eu ainda não tinha o visto pegando ninguém, o que me parecia que ele precisava, ele era muito tenso. Era também obscenamente alto, e devia ser o maior temor de qualquer bicha iniciante, então, se alguém o pegasse teria que estar preparado, pois um negro de mais de dois metros não é todo dia que se introduz.

Chegamos na Lôca, nada de novo, uma fila razoável, formada quase que exclusivamente de caras magros e drogados.

Entramos e fui mostrar pra ele o lugar, no terceiro passo dentro daquele lugar eu já tinha uma goteira de suor se formando no queixo, estava tudo na mesma, a caverna estava cheia e as pessoas com olhares lascivos e com mãos sobrando pra tudo que é lado. Peguei um Gim e soltei o Mad na mão do Digão, um cara forte e cabeludo com quem tinha trabalhado e que apresentaria o Mad a quem ele quisesse. Fui alucinado pra pista, não agüentava mais suar parado. O Pomba tava lá em cima e não parava de mandar som bom, era um depois do outro e eu subia nas caixas de som, me pendurava no parapeito do palco, alucinado pensando no mau negócio que eu tinha feito em escolher viver em São Paulo por mais cinco anos, e de vez em quando olhava em volta e já achava que aquilo era ótimo e que cinco anos seria pouco, eu tava alucinado, peguei outro GT e fui no banheiro, que tava lotado, mais cheio q a pista até. Uns querendo mijar, outros dar um tiro ou uma foda, aquilo tava infernal, e eu tava adorando tudo.

Cruzei com uma branquela de cabelos pretos curtos sensacional, falei qualquer coisa e ela só agradeceu, desisti da mijada, corri atrás do Mad, queria contar qualquer coisa idiota e arrastar ele pra pista, cruzei com uma louca jogada no chão, ninguém nem a notava, lembrei do mendigo com a pedra que eu financiei, e no outro do murro, minha mão tava latejando ainda, peguei a morta e levei pruma parte mais aberta, soltei no chão, dei água, abanei, nada, quando acordou queria saber dos amigos, não tinha visto nem sinal, do nada aparecem uns cinco, a branquela junto. Dei um sermão de leve nos safados e voltei pra pista, o Mad tava se atracando num baixinho e fiquei satisfeito, ele tava bem, eu tava bem, a bêbada tava melhor que antes, agora eu podia pecar um pouco. Subi numa caixa de som fechei os olhos e dancei como se estivesse sozinho no banho ou algo que o valha, quando abri os olhos e olhei pra baixo lá estava a gata do cabelo curtinho. Ela era mesmo gata, seios lindos, uma boca enorme, ela agradeceu por eu cuidar da amiga dela, daí falamos de alguns assuntos paralelos, aqueles das duas da manhã, rápidos, só pra saber que não se está tratando com alguém capaz de matar por coca. Logo estávamos no banheiro, retocando o pó e compartilhando óleos naturais. Não achava que seria capaz de suar mais, mas consegui.

Saí brilhando, satisfeito, com a festa, com o carnaval, com São Paulo, sabia que agora tinha um motivo pra conhecer Curitiba, só não sabia que não seria o único motivo.