segunda-feira, março 29, 2010

Canetada

“caralho, eu vou ficar aqui fritando e a essas horas ela pode estar conhecendo alguém decente que queira assumir esse B.O., e eu aqui canetando, merda de vida.”


Canetada


- Já não sei o que fazer, gosto dessa nega, ela é honesta, é boa, é inteligente pra caralho, mas não sei, depois da Judite não sei se consigo embarcar de novo numa dessas.

Fuuoooooooommmmmmmmmmmm!!!

- Filho da puta, esse não vai ter perdão! LGU715... 7, acho, filho da puta! – Reclama enquanto anota uma multa de excesso de velocidade.

Já estava assim a semanas, acordava às 4h, tomava banho, se vestia, comia um pão e subia a rua pra pegar o primeiro Largo São Francisco, tudo no automático, não escolhia mais roupa, pegava a que estivesse mais perto da mão, o pão era seco mesmo, com água, pra não perder tempo fazendo café, não queria acordar, nesse dia tinha sonhado com Teresa de novo, hoje, pesadelo, pegava ela na cama com um negão descomunal numa casa que não era nem a dele nem a dela, tinha um barulho de mar de fundo e ele não sabe bem porque estava lá. Estranhou, queria saber que lugar era aquele, que cara era aquele. Será que aquilo era uma visão? O que será que Teresa estaria fazendo a essa hora em Ilhéus? Esperava que dormindo, não queria acreditar em outra possibilidade além dessa, afinal, não eram nem cinco da manhã e ele já suava em bicas, de nervoso, de calor mesmo, de raiva do negão que ele nunca conseguiria derrubar no soco, nem na paulada nem no tiro, nunca. Teresa estava visitando a irmã, disse que era coisa rápida, até ter a resposta de um trabalho legal lá na Berrini, num consltório de um vovozinho, endocricodolistalgumacoisa, lembrava do dia da entrevista, que levou ela, tava de folga, ela tava feliz, acordaram cedo, ele preparou o café com tudo que ela gosta, até mamão tinha, tava verde porque não sabia escolher mamão, mas ela achou bonitinho mesmo assim, agradeceu, transaram até quase o atraso. Foi um dia bom, Teresa estava feliz, Joel estava feliz.

Acorda já no centro, dá um tapa na cara e corre pra descer do ônibus antes dele sair de volta sentido zona sul. Corre até o trampo, bate cartão, dá um salve pros manos, mete o uniforme e corre até sua viatura. A alguns dias estava canetando na Bandeirantes com a Berrini, debaixo do viaduto ali, o Zuccollo ou coisa assim, ali era firmeza porque era fácil cumprir a meta, um monte de filho da puta, era velocidade, rodízio, faixa, era delícia, queria ganhar comissão quando pegava umas mamatas dessas. O foda era que logo cedo não tinha sombra do viaduto, só depois das 10h, e esse verão tava de foder, o uniforme pesava uns quarenta quilos e a lembrança de Teresa tornava seus dias intermináveis. Chegou cedo e já podia começar a pegar as primeiras multas de rodízio. Mas pensava no negão em cima de Teresa, suando como se tivesse de uniforme marrom, mas não tava, tava nu em pêlo pegando Teresa no pêlo e ela gritando como se tivesse sendo atacada por... – Não pensa felá, trabalha, não pensa! – Falava como se fosse adiantar, falava alto, o som da rua era alto, certamente não incomodaria ninguém com seus lamentos, com sua dor.

Foi até o carro beber água e tinha uma mensagem no celular. Ficou doido, derrubou o telefone, pingava suor, não achava o maldito debaixo do banco, revirava, revirava, achou, leu, era de Teresa.

“queria saber se sente minha falta. Queria saber que está me esperando. Comotá? Bjo!”

“Essa mulé é uma poeta, caraio!! Quiquieu falo pra ela? Fudeu!” pensou sabendo que tinha que falar a coisa certa, porque depois de três semanas sem ela dar sinal de vida ele precisa impressionar. A essa altura já não tinha mais cérebro suficiente pra nada, depois de uma manhã inteira no Sol, no CO, no barulho infernal de uma artéria entupida. Estava louco. Não era pânico, não era medo, mas tinha que ser rápido e certeiro ou o seu sonho se materializaria.

Voltou pra esquina, pegou o bloco começou a esboçar o que seria sua obra prima, o calor aumentava e suas mãos suavam e as buzinas não cessavam e a fumaça e as idéias embaralhadas e a fumaça de mil caminhões e mil buzinas do inferno trombetando e o sonho e Teresa e o uniforme grudando e a luz do Sol rebatida de todos os lados na direção de seus olhos e queria pensar e não conseguia escrever e não tinha palavras e as que vinham não tinham sentido ou pareciam buzinas ou derrapadas e já se passavam duas horas e tinha que escrever algo e sua cabeça fervia e delirava e pegou o bloco, olhou-o por alguns instantes, olhou pra frente e vou uma Belina enorme, azul como o mar da Bahia, vindo em sua direção e na direção um negrão, seu coração parou e o ar fugiu dos pulmões, apertou o bloco com força e escreveu rápido, antes que ele passasse “ti amo teresa, seje minha que já so teu!” escreveu e caiu em calma, acabara com a maldição, olhou bem pra barca que vinha e encheu a boca com um enorme “féladaputa!”. A barca passou e ele ainda lhe mostrou o dedo na passagem, mostrou e ficou com ele pra cima e ria como se vencera o próprio Exu. Pegou o telefone para completar a missão e eufórico derrubou-o no meio fio, ajoelhou-se e começou a digitar ali mesmo, de quatro. Enviand... sem crédito, a Belina deu a volta e... pára-choque... olha pro bloco jogado no chão, pensa em Teresa... Exu venceu.

sábado, março 27, 2010

Aprendendo com a Nigéria.

Já não sei mais o que deveria ser. Quer dizer, até sei, mas acho pretensioso, “o que deveria ser” pela visão de um cara que pouco leu, pouco sabe... raso. Apesar de saber disso ligo pouco, dou minha opinião por aí e irrito, insulto, atrapalho o status quo dos mothingmakers de plantão. Gosto de reclamar da minha insignificância e me deprimo facilmente com a minha incapacidade de mudar as coisas do mundo que acho erradas, com as coisas da minha vida que acho erradas, com o ambiente urbano, as relações de trabalho, com os serviços recebidos e prestados, com a relação que tenho com os mestres, os aprendizes, os colegas, os desconhecidos. Só não me desespero com o desconhecido porque sei que ainda poderei conhece-lo, ou não. Estou numa fase de urgências, de trocas intensas, de embates violentos. Não sou violento, sou intenso em mim e penso tão cíclico que não sobra muito pra por pra fora. Um eterno incompleto, um eterno se conhecer, conhecer o mundo e se saber incompleto.

Sei-me incompleto desde cedo, não quero perder tempo e troco raivoso, frustrado, imaginando que não chegarei a ponto de saber o suficiente para transmitir, para ensinar. Sou um bibliotecário de referencia, tento sê-lo. Estou aprendendo todos os dias sobre novas fontes, novos conceitos, novas abordagens, todos os dias estou mais próximo do cinema, de sua busca incessante por criar um metamundo fantástico, onde as emoções são mais intensas, as idéias factíveis, onde o impossível se materializa à sua frente e onde por cerca de duas horas você estará imerso num outro mundo.

Outro dia um professor disse que nós (alunos da USP) somos todos elitistas, que não olhamos para a periferia, não vemos as massas. Eu entendo o lado dele, a visão dele, e eu sei que ele tá mesmo certo. O que eu faço no meu trabalho? Faço o meu melhor, sim, para quem chegar aqui e me perguntar, sim, mas quem vem é a bourgeoisie, salvo alguns poucos guerreiros aqui e ali. E o cinema da periferia? E a voz da periferia? Estava lendo agora sobre o cinema nigeriano e o seu quase do it yourself, eles fazem um cinema original, com histórias baseadas nas histórias deles próprios, do povo, contadas com produções gambiarradas e distribuídas em DVD para todo o continente a um preço/custo baixo, de uma forma sustentável. O cinema nacional da nigéria é um sucesso em toda a África, sucesso econômico e cultural, sucesso de público. Mas a qualidade técnica é ruim? Ninguém lá ta atrás de Oscares e Leões de Prata, eles querem contar histórias. Mas os roteiros são fracos e as histórias vulgares? Foda-se, é o cinema que as pessoas querem ver, finais felizes e seus cenários do dia-a-dia retratados na tela, sua realidade fantasiada e mistificada passando na tela, é isso que eles têm e que nós aqui não temos, um cinema que se pague, que fale às pessoas, que as toque, que as represente no mundo fantástico, que filme brasileiro representa o povão, o vida-loca, o evangélico trabalhador, o bóia-fria putanheiro, a doméstica com quatro filhos? Não é à toa que o maior sucesso da história do cinema nacional é “A dama da lotação”, isso faz mais de 30 anos e ninguém percebeu ainda que deixar na mão dos riquinhos da ECA e da FAAP a missão de contar pro mundo quem somos nós e o que é ser brasileiro, quem é o brasileiro e como a gente mata um Leão de sete cabeças por dia, nem sempre rindo e sambando como acreditam nossos queridos diretores do Leblon e dos Jardins.

A gente tem mania de achar que tudo no Brasil é difícil, que não é pra nós, que não temos capacidade, possibilidade, que vamos passar vergonha se mesmo tentarmos... a Nigéria está aí mostrando que esse problema de auto-estima pode ser superado, e eles estão contando sua história e estão vivendo disso. Quando vamos fazer o mesmo?