domingo, julho 02, 2006

Eu e ela

Mais uma vez eu entrava naquele carro, aquele Corsa vinho e sujo, sempre sujo, por dentro ele cheirava a maconha, era impregnado, mas eu fingia que não conhecia o cheiro e de vez em quando eu perguntava pra ele que cheiro era aquele, e ele como sempre dizia "sei lá, acho que vou mandar aspirar o carro, já tá com esse cheiro estranho de novo". Eu achava engraçado, até meio charmoso quando tentava me enganar assim, pelo menos quando eram assuntos idiotas como esse.Entrei e ele logo me beijou o nariz, como era de costume... Ele era realmente bem... Carinhoso"

-Então querida, pra onde vamos hoje?
-Não sei, você não tem nada pra sugerir?
-Sei lá, vamos tomar uma breja no Serginho, lá a gente decide.
-Você sabe que eu não gosto daquele lugar, mas fazer o que, todos os nossos amigos freqüentam aquela merda...

E era verdade, eu odiava aquele lugar, um buteco sujo e pequeno, cheio de pessoas mal encaradas e drogadas, eu não sabia como alguém podia ficar a vontade num lugar daqueles, mas a parte de todos os nossos amigos freqüentarem o lugar também era verdade e por isso nos sempre acabávamos lá, mais cedo ou mais tarde. Estacionamos o carro na esquina seguinte, ele sempre dizia que era mais seguro.

Fomos para o bar e logo encontramos parte da turma, Brunão, Erika, André, Thais, Fernanda, até o Alemão estava lá aquele dia; nos sentamos e começamos a conversar, os papos de sempre, quem pegou quem, quem terminou com quem, quem perdeu o emprego, quem tinha voltado pra farinha, só depois de uns vinte minutos foi que eu notei que havia uma guria no balcão do bar, uma guria muito bonita sentada sozinha, uma oriental de cabelos cacheados e um top de vinil mínimo, ela era alta e magra e ficava girando as pedras de gelo do copo com o indicador, ela parecia muito triste, desolada mesmo, ali, olhando pro líquido no copo, não conseguia tirar os olhos dela mas de repente meu cinto encolheu e fui ao banheiro.

Enquanto me libertava da cerveja naquele banheiro imundo eu ouvi a porta se abrir, logo depois que a porta parou de mexer (já que seria impossível ouvir um caminhão entrar no banheiro com o barulho daquela porta) ouvi um gemido, como se fosse alguém chorando, soluçando, não dava pra ouvir direito. Terminei o que tinha começado e abri a porta do box, era a guria do balcão, com o copo em mãos, ela deixou o copo na pia e passou um pouco de agua na nuca, depois no rosto então me viu pelo reflexo do espelho quebrado, lambeu os próprios lábios, deu uma piscadela e saiu, deixando o copo. Fiquei intrigada com aquilo, porque será que ela lambeu os beiços quando me olhou, será que ela me conhece ou o que? Fiquei me perguntando enquanto lavava as mãos, terminei, sequei...

Fiquei me olhando no espelho por alguns segundos apesar de aqueles momentos me pareceram intermináveis ali, peguei o copo dela e cheirei, parecia vodka boa, experimentei, não sou uma especialista, mas eu tinha certeza de que aquilo não era qualquer coisa, o bar era imundo mas se tinha alguma coisa lá que prestava era a bebida, o que me leva à conclusão de que ela freqüenta o bar sempre. Quis conhecê-la, quis saber quem era aquela pessoa e porque estava tão triste... Então o fiz, peguei o copo e voltei para o bar. Lá a encontrei, ainda sozinha, sentei-me ao lado dela...

- Tá aqui a tua vodka, tu esqueceu no banheiro.
- Valeu, quer uma?
- Me perguntou ela com um olhar extremamente insinuante.
- Não obrigada, você me parece um tanto triste, o que aconteceu contigo? - Respondi tentando parecer imune aos olhares dela.
- Nada demais, digamos que é falta de sexo. - Disse ela com um sorriso malicioso
- Você deve saber como é.
- Eu sei que se o problema é esse eu não sou a pessoa mais indicada pra resolver. - Respondi já enfezada.
- Quem disse? - Respondeu ela com um olhar matador.

Fiquei encabulada, nunca tinha sido xavecada por uma guria assim, tão na cara larga, não sabia o que dizer. Apesar da vergonha eu me senti lisonjeada, ela era linda, e apesar da cara triste o rosto dela era radiante como uma perola, mas meio azulada, pelo reflexo do neon do puteiro em frente ao bar, ela era realmente muito atraente..."

- Bem, eu eu eeee eeu...
- Não precisa me dizer nada, é seu namorado não é? - E ela aponta com os olhos.
- É sim, mas você não está pensando em...
- Você não gostaria? - Me pergunta ela com aquele olhar novamente.
- Mas ele é meu...
- Eu sei, e você dele. Não perguntei isso, perguntei apenas se você gostaria. E então?
- Não sei, você é tão bonita, e eee... Se... - Xeque-mate, eu estava perdida, totalmente tentada, no entanto o que ela estava me propondo era inaceitável.
- Não precisa ter medo, não quero ele pra mim, pode ficar com ele depois, eu tô caindo fora amanhã, vocês nunca mais vão me ver.
- Pra onde você vai? - Perguntei num misto de alívio e desespero.
- Pra longe, muito longe... - Responde ela com seu olhar seguro e sedutor.
-Pode parar, eu não disse que aceitaria, eu não disse que... - É exatamente o que vocês estão pensando, dizendo isso eu acabei de aceitar.
-Mas você vai me dizer que você não quer isso, ele não te satisfaz e pelo jeito que você está me olhando você sabe que eu posso te satisfazer, e eu posso!

Quando ela disse isso me arrepiei toda, como ela podia ver o que eu estava pensando, eu estava tirando a roupa dela dentro de mim, mas ela não poderia perceber, não tinha como... a segurança dela em dizer que eu já estava seduzida era ao mesmo tempo irritante e certeira, comecei a pensar em como tinha sido quando fiquei com uma amiga uns anos atrás, queria saber se seria igual, eu não tinha tempo nem estomago pra lembrar mas era obvio pra mim que não seria a mesma coisa, só de olhar pra ela eu estava ficando molhada, eu suava só ao ver seus lábios, não conseguia tirar os olhos da boca daquela guria... eu estava entrando num buraco sem fundo...

- Tá bom, você acha que pode me satisfazer então, mas como você faria isso? - "Ta no inferno abraça o capeta", não é isso?
- Vem aqui que eu conto no teu ouvido.
- Ok.
- (...)
- Você não pode estar falando sério?
- Disse eu segurando pra não gemer no meio do bar."
- Isso é só o começo lindinha, digamos que essa vida me ensinou muitas coisas mais.
- Caralh... Não sei... - Eu sabia.
- O que você tem a perder, pode ser bom pra ti, encontrar um pouco de vida depois de um relacionamento longo.
- Como vc sabe que é um relacionamento longo.
- Se não fosse ele não te deixaria sozinha tanto tempo falando com uma estranha.
- E ela tinha razão, no início do meu namoro com o Paulo ele nunca me deixaria tanto tempo longe, falando com uma pessoa estranha.
- Ok, mas deixa eu falar com ele a sós, espera lá fora, ok?
- Tudo bem, não é para os amigos me notarem né, to na esquina, ali adiante.

Voltei para o banheiro, me olhava no espelho pensando no que eu acabara de fazer... "o que eu fiz, não acredito... mas ela é tão linda, eu estou tão... foda-se, vou me divertir um pouco hoje."Então voltei pra mesa, cheguei pro Paulo e disse discretamente que tinha uma guria lá querendo transar com ele, ele olhou e só conseguiu vê-la indo embora... ele me olhou desconfiado, com razão, pois a essa altura já teria batido nos dois, e eu disse:

- A coisa é simples, ela disse que queria ficar contigo, eu disse que queria ficar com ela e propus que nós ficássemos os três juntos, o que você acha? - Esbravejei na cara dele me segurando pra não rir.
- Mas e o que você acha? - Perguntou ele se encolhendo de medo.
- Não sei, ela disse que está indo pro exterior amanhã e que esta seria uma última extravagância dela antes de ir, você sempre disse pros caras no bar que gostaria de ter duas mulheres ao mesmo tempo, então eu só liguei os pontinhos, e aí, o que você acha? - Eu detesto mentir, mas tive que falar isso porque sei que ele nunca aceitaria o fato de que ele não me satisfaz, além disso, eu ganho algumas milhas com esses... pequenos favores.
- Ok, mas onde ela foi?
- Ela ta esperando a gente perto do carro.

Então saímos, nos despedimos do pessoal, que por sinal já estava com aquelas fofoquinhas de "olha ela dando vexame de novo", e fomos. Ela (aí que me toquei de que nem o nome dela eu sabia) nos esperava encostada no carro, como se ela soubesse qual era o carro dele. Eles se cumprimentaram com um beijo no rosto e um "olá", ele parecia muito nervoso com a situação toda."

Entramos no carro, o Paulo dirigindo, eu no carona e "ela" atrás. O Paulo ligou o carro e perguntou "pra onde?", ele estava realmente muito nervoso, deixou o carro morrer e tudo. Ela tirou o boné dele e disse ao pé do ouvido "vamos pra minha casa, deixa que eu te guio". Me deu uma vontade louca de desistir de tudo quando vi aquilo, mas ela antes mesmo de terminar de falar me olhou e deu uma piscadela, como quem diz "está tudo sob controle".À medida que o tempo e as avenidas iam passando o carro parecia cada vez mais silencioso, me lembrei do carro do meu pai depois que ele e minha mãe brigavam, era aquele mesmo silêncio profundo e torturante onde todos estavam invariavelmente tentando descobrir o que o outro estava pensando, aquela era uma sensação terrível, aquele silêncio parecia intransponível, e ele não se findava de forma alguma e ficava rondando minha noite, tentando trazer o fracasso junto com ele.

Enfim chegamos, era um flat muito bem localizado e bonito, entramos na garagem e "ela" nos guiou, ainda em silêncio até o elevador, como já estávamos devidamente trajados com nossas "caras de elevador" não foi necessário esforço algum, até que "ela" colocou minha mão na virilha do Paulo, nos olhamos por uma fração de segundos até entender tudo, em seguida ela se pôs atrás do Paulo e puxou minha outra mão até seu seio, colecei a beijar o pescoço do Paulo à procura do rosto dela que logo encontrei, então a olhando nos olhos eu beijei-a, beijo aquele que me tirou do corpo e mergulhou meus seis sentidos numa piscina de seda, dali em diante eu seria incapaz de descrever o que se passou, quer dizer, descrever com lucidez, pois esta não fazia mais parte de mim, como descobri naquele instante que eu nunca quis que fizesse, pelo menos não durante um beijo. Senti-me livre de corpo, alma e seja lá o que for que habita meu estomago, pois este parecia cheio de asas graciosas a acarinhá-lo, meu corpo que recebia acalorados e às vezes brutos toques parecia flutuar, abria os olhos e via aquele rosto angelical e suave a me beijar e chegava a duvidar de que aquela sensação pudesse ser natural, os cheiros e as mãos se entrelaçavam como...

- Dimdom, décimo sétimo andar, subindo.- Decretou o elevador antes de abrir as portas.

Imagine-se levando um chute nos seios às quatro da manhã em pleno sono, pois foi o que fez o elevador comigo. Nos endireitamos, "ela" soltou um pequeno pigarro e um sorriso enquanto pegava as chaves do apartamento, entramos, eu meio sem jeito, o apartamento era lindo, muito sóbrio, linhas retas, muito preto, branco, alguns detalhes em lilás e vermelho pompeano, realmente espetacular, ela mandou nos sentarmos enquanto ela pegava uns drinques em outro cômodo, fiquei de pé sacando o lugar, o Paulo chamou minha atenção para o que estava sobre a mesa de centro, era um montinho de pó, só podia ser coca, enquanto m inclinava para ver ela veio do outro cômodo já dizendo:

- Vocês querem? Sirvam-se.
- Eu não cheiro.
- Disse, ainda assustada com a quantidade.
- Eu sei que não, não quer experimentar? - Disse ela com uma sequidão que eu não havia esperimentado durante toda a noite.
- Eu passo, quer Paulo?
- Eu prefiro uma vodka. - Disse ele com a naturalidade e o sorriso idiota típicos de um homem que acabou de dar uns amassos.

Então ela o serviu e depois veio em minha direção com um olhar estranho, ela parecia com raiva, ressentimento talvez, fiquei assustada, mas quando pensei em me esquivar daquele olhar ela, como que num único movimento, largou os copos que segurava e pulou sobre mim deslizando nós duas sobre o sofá, então me beijou furiosamente, me agarrando pelos cabelos, me machucando. Fiquei muito assustada, a pele dela estava fria e tive uma reação de repulsa no mesmo instante, porém não tive forças para tirá-la de cima de mim, fiquei lá a beijando sem querer estar ali, ela começou a me tocar mas eu não estava à vontade, quis tirá-la de cima, quis chorar, olhava para o Paulo que assistia a tudo passivamente, como quem espera a sua deixa, o olhar dela não era mais doce como antes, era raivoso e obstinado, quase obcecado, ela começou a tirar minha roupa e eu não conseguia impedi-la, até ajudava quando me sobrava espaço para me mexer, senti medo, muito medo, estava me sentindo violada, ela parecia cada vez mais irritada até que ela deu um soco na mesinha de vidro estilhaçando-a completamente.

Ficamos nos olhando, olhos nos olhos por alguns instantes enquanto a nuvem de pó baixava, ela estava ofegante e ainda com aquele olhar raivoso no rosto, até que comecei a chorar e não consegui mais disfarçar minha cara de pânico, continuamos nos olhando por mais uma fração de segundos até que eu corri em direção ao banheiro e ela foi atrás de mim, tranquei-a do lado de fora, ela bateu um pouco na porta e depois parou. Me olhei no espelho pensando no que aquela noite havia se tornado, eu chorava copiosamente e me sentei à borda da banheira, não demorou até eu ouvir o barulho do miolo da chave girando, queria desesperadamente me esconder e me sentei dentro da banheira, quando a porta se abriu vi pela fresta o Paulo abrindo a porta com ela pendurada em sua perna chorando, então ele a empurrou contra a parede, entrou no banheiro e nos trancou lá dentro com as duas chaves.

Ele não demorou a me achar encolhida dentro da banheira e dizer:

- Viu que ótima idéia foi a sua? Vamos embora logo antes que você tenha outra idéia genial! - Esbravejou ele.

Enquanto ele berrava aquelas coisas com tanta dureza, só ficava pensando em como ela estaria lá fora, vi o quanto ela chorava tentando segurar o Paulo e vi também que ele a jogou contra a parede com toda a força, só pensava se ela não estaria machucada e comecei a chorar novamente, mas desta vez preocupada com ela, e quando vi o Paulo gritando comigo e cuspindo toda a frustração dele em mim, como ele sempre o fazia eu disse:

- Vá embora!
- O que, como assim?
- Eu só quero que você vá embora e me deixe aqui com ela.
- Você está louca! - Gritou ele.
- Não, eu só quero falar com ela. - Disse eu, em prantos.
- Quer saber, não vou mais correr atrás de você, das suas criancices, faça o que bem entender. - Gritou ele antes de sair do banheiro e do apartamento gritando e chutando tudo que encontrava pela frente.

Permaneci sentada dentro da banheira por mais alguns minutos, me recompondo do que acabara de decidir. De onde estava só conseguia ver os pés dela tremendo e se arrastando no compulsivamente, me levantei e fui na direção dela, ao sair do banheiro a vi deitada no chão, com um machucado no ombro, chorando muito, ajudei-a a se levantar, não perguntei nada, apenas levantei-a do chão e levei para o quarto, sentei-a na cama e tirei suas roupas com todo o cuidado, fui até as gavetas e peguei uma camiseta longa e surrada, ela fez que diria alguma coisa mas mantive seus lábios fechados com os meus, assim como faço até hoje.