terça-feira, outubro 13, 2009

Brand new clothes - Parte III

Acordei amarrado numa parede igual aquele desenho do Da Vinci, as pernas eram as mais juntas mas os braços eram os pra cima. Tava grogue ainda, numa ressaca que tiraria até o Bukowski do sério, eu tava rodo ralado, da queda na escada ou da noite da qual eu quase não lembro nada. O maluco tinha tirado as minhas roupas e eu tava limpo, peladão e limpo, com cheiro de álcool e com as feridas ardendo e querendo me coçar mas eu já disse, eu tava amarrado porra! O cara aparece sei lá de onde trazendo um quadradão branco arrastado por umas rodinhas, o cara é todo estranhão, só olha pro chão e não fala nada, eu quis dar uma de sensato e fiquei quieto esperando ele começar a falar, na esperança de que ele começasse antes de me meter uma facada ou coisa assim. Ele olha pro quadradão e volta pro breu, depois volta de volta com uma mesinha de rodinhas, tipo aqueles bares de rodinhas mas com um monte de tesouras e facas e um serrot

– Caralho mano!! Eu só caí dentro da sua loja, você é o Haniball Caralho!?!? – Não agüentei e berrei e o cara só me olhava com o serrote na mão. Ele olha pro serrote, uma pra mim, olha pro serrote

– Eu quero um cigarro antes pelo menos, tem como?

Ele olha pra mim e lança:

– Um e oitenta né? – Com a maior calma.

– Pode ser mano, Marlboro, umeoitenta, qualquer um, ou então me solta logo daqui.

– Se você não colaborar vamos demorar o dia todo pra fazer seu terno.

– Que terno mano, só quero ir pra casa valeu!

– Eu já perdi muito tempo com você, agora vou ter que terminar o terno.

– Firmeza cara, já to entendendo – Eu não tava entendendo. – Agora me explica uma coisa, não quero um paletó de madeira, então pra que esse serrote?

– Você é muito agitado, vou precisar fazer um manequim pra você.

– Legal cara, muito profissa, mas será que não dá pra usar um daqueles zoiudos lá de cima não?

– Cada pessoa tem um corpo único, não posso usar um modelo qualquer, ou você quer ficar com a alma de outra pessoa? – Falou ainda sem expressar o mínimo nada de nada.

– Não mano, ta bom, já ente...

– Um e oitenta?

– Eu? Oitenta e dois.

– Perfeito.

Ai ele pega o serrote e começa a dichavar o blocão branco que é de cera, resina ou sei lá o que. Ele quase se diverte cortando a parada e olhando pra mim, está todo concentrado, eu só consigo pensar em como esse cara é doidão, parece que ele não pensa em mais nada, só em fazer uns panos, o cara parece um boneco, parece que nunca viu ninguém, pelo jeito que ele me olha parece que nunca viu mesmo. Nessas o cara pega um facão e continua lascando o blocão e começa a deixar ele com formato de gente, nisso uma lasca do bonecão cai no braço do cara e ele tem a genial idéia de tirar com o facão e se corta nas costas da mão, o corte é fundo e sangra pra caralho, o cara nem reage, como de costume, só pega um pano e cobre a mão, ele olha pro bonecão, depois de um pouco ele cai sentado no chão .

– Puta mano! Que vacilo! Você ta bem? – Perguntei pensando "agora fudeu".

– Vacilo – Ele diz olhando pra mão.

– Não é melhor ir num hospital ver isso cara? Depois a gente continua? – Não custava tentar né.

– Vacilo... – Ele repetia atônito olhando pra mão.

– É mano, vacilo, acontece, eu fiz um corte desses não faz muito tempo, essas coisas inflamam, é melhor você ir prum hospital!

– Vacilo... hospital...

– É cara, vamo ai! – Eu já tava esquecendo a compaixão e ficando irritado com o cara, mas ele parecia mesmo não saber o que fazer.

– É sangue? Eu nunca sangrei. – Falou ele com a mesma cara de tacho de sempre.

– É mano, é sangue mesmo, e bastante. Você ta bem?

E ele sai andando e volta pro escuro. Nisso eu já não to entendendo mais nada, o cara sai e me deixa ali plantado, amarrado, eu tava fodido ali, e se o cara não voltasse, e se ele desmaia ou morre e me deixa ali pra morrer também, minhas mãos estavam ficando roxas por causa das cordas apesar de eu estar razoavelmente confortável ali, comecei a pensar se esse cara tinha saúde o suficiente pra se cortar daquele jeito, já que ele era tão branco quanto o bonecão de cera. Eu estava confuso, tava ficando com dó daquele corno que me amarrou pra me fazer um terno, eu tinha que pensar em algo, mas não coseguia ver nada que eu pudesse alcançar, as ferramentas estava muito longe, estava quente e eu estava tão bem amarrado que não me soltaria antes de morrer de fome, quando comecei a pensar em ficar desesperado o cara volta co outro carrinho de instrumentos. Ele tira o pano de cima do braço e o sangramento já estancou, ele vem na minha direção e olha minha mão que tem uma cicatriz de facão nas costas, de um vacilo que eu dei uns tempos atrás, ele observa por alguns instantes e se senta num banco que ele pega do meio da escuridão. Então ele olha pra nova mesinha e pega e uma agulha grande e curva, já com linha, quando eu penso “ele não vai...” ele já foi, o cara começa a costurar a própria mão.

– Mano, você ta louco! Você tem que ir pra um hospital! Eu te levo!

– Se for pra costurar eu costuro, isso é tudo o que eu sei fazer. – Ele responde sem fazer um mínima expressão de dor e começa, manda ver mesmo, costura o talho todo sem nem uma caretinha. Agora eu to ficando realmente com medo desse cara.