sábado, janeiro 23, 2010

sabado de chuva





Acordado pela luz opaca da janela da sala da cazona, dia nublado, chovendo insistentemente desde a noite, que foi longa. Os dedos dos pés estão rachados, ardem, mas é quase agradável, banho frio, pente, guaraná, busão, ouvindo Cat Power subindo a Rebouças, a Paulista, depois Foo Fighters, Deftones, tentando lembrar mais sobre a noite anterior, pensando nas coisas a fazer no trabalho, sobre o que escrever aqui, depois caminhando pela Vila Mariana na chuva, ressecado por dentro e molhado por fora, muito LIFE.

Pode ser gostoso trabalhar de sábado, tô me acostumando bem com isso.

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Por que sempre tem que acontecer alguma coisa Falu?

Este é um post de 2005, não é só pra encher lingüiça, é mais como um retrato antigo, uma lembrança terna de um tempo bom. É bom quando o passado é bom, um dia a saudade, os arrependimentos, as dores viram só coisas boas, pelo menos comigo tem sido assim.


Tem gente que diz "e aí, o que tem feito de novo?", escrevendo que não é, isso vcs percebem pelo estado do blog, que está às moscas. Eu faço o de sempre: trabalho, estudo, vejo a Paula, vejo o Limão e o André de vez em quando, vou pra faculdade de vez em quando, é isso, e só. De vez em quando surge uma história inteira na minha cabeça, do nada, parece que eu sou uma antena para contos malucos... mas na hora de escrever elas me cançam, tenho preguiça de desenvolver, de achar palavras, eixo paradigmático e eixo sintático, um saco, escrever tem me cansado, não tanto quanto o meu emprego, ou a faculdade, mas o que eu sempre quis para mim como ganha pão para toda a vida tem me cansado a ponto de eu não fazê-lo mais; é, eu não estou escrevendo mais, tenho ótimas desculpas, tempo, branco, stress, tendinite, mas isso eu invento para os outros, para mim a desculpa única e insubstituivel é: Não estou com saco de traduzir pensamentos.

Muitas vezes me cansa traduzir pensamentos mesmo em palavras, consigo ficar horas sem pronunciar uma única palavra, no trabalho falo apenas o necessário normalmente -- normalmente leia-se sempre -- e quando quero conversar apenas reclamo e faço trocadilhos infames para me livrar de ter que falar algo pensado -- herdei do meu pai o dom dos trocadilhos infames a tal ponto que nem preciso mais pensar para difundí-los.

Acontecem coisas comigo, não posso dizer que não, quando se passa duas horas por dia dentro de um ônibus, se convive com centenas de advogados e algumas poucas bibliotecárias para atender a todos e um ogro do Capão Redondo, se estuda numa faculdade de riquinhos num curso de pobrinhos e mora-se com um cafajeste de 25 anos, um vendedor da Amway tentando dar uma de engenheiro e uma mulher que ouve Triguinho o final de semana todo e que fica doente quando é separada dos seus milhares de cristais, é evidente que muita coisa acontece, porém a minha sensibilidade em achar graça ou drama em cada situação está se esvaindo dia a dia, minha paciência comigo mesmo e com o "tempo da bola" dessa cidade já era, não quero ser um catalogador-estagiário, não quero ser um estorvo pra minha madrinha e muito menos quero passar o resto dos meus dias respirando esse ar e tendo que passar horas a caminho de qualquer lugar, sinceramente isso não é vida pra mim, mas o que é?

Na noite passada, depois de tentar decorar um manual de MaRC 21 para uma prova do professor mais tosco que a USP já teve e não fazer a prova em sinal de protesto (naquela faculdade só se consegue alguma coisa assim, fazendo baderna) fui tomar umas, sozinho, como tenho gostado de ficar ultimamente, pelo menos quando vou beber. Depois de 2 copos de cerveja um mendigo começa a conversar, ele parecia ter por volta de 50 anos, tinha cara de ser uma boa companhia então o convidei para sentar-se, já que havia estado sozinho já por longas horas, e imagino que ele também. Ele se sentou e falou, falou e falou por um longo tempo, eu apenas acenava com a cabeça como se estivesse entendendo. Mesmo antes dele chegar uma forte dor de cabeça me pegou em cheio, e mesmo com o falatório insólito e desencontrado do velho Falu (este é o nome dele, pelo menos acho que é) sua presença me era benvinda, gostava de observá-lo gesticulando, rindo, parecia se sentir acompanhado pela primeira vez depois de um longo tempo, assim como eu. E assim ficamos por cerca de 2 horas, ele falando e eu observando e acenando positivamente,
sentia nele uma cumplicidade, era como se já fossemos amigos, vez ou outra ele me perguntava algo, eu respondia e ele fazia alguma graça a respeito, queria poder saber sobre o que se tratava o discurso que ouvi naquela noite, certamente era algo maravilhosamente insano e interessante, e ele demonstrava uma qüerencia absurda quando falava, o que me assustava pois como profissional da informação (odeio essa lorota cretina, mas gosto do título) queria saber o que era regurgitado na minha orelha, haveria de ser algo importante, ou ao menos de alguma relevância, o que sabia era que gostava de estar alí, sentado num bar bebendo com o velho Falu, ele comentou que trabalhava com cinema, não com muito gosto porque era um "artista das palavras, um escritor", como ele mesmo disse, que havia morado no Rio por algum tempo e que tinha uma chacara na Reserva Florestal de Resende no Espirito Santo, disse também que morava nos alojamentos da USP, me deu inclusive o endereço, o qual pretendo investigar um dia (sei que não o farei, mas gostaria). A alguns instantes ele me parecia assustadoramente familiar, mas logo essa sensação sumia tão subitamente quanto vinha.

Assim como sempre que estou um pouco mais alegre logo deu a minha hora de partir, quando fui me despedir do velho Falu ele me pediu para aguarda-lo uns instantes, acatei, ele foi de mesa em mesa arrecadando dinheiro e ao voltar para a nossa mesa largou algo em torno de 4 reais, achei admirirável que ele quisesse pagar a parte dele na cerveja, vejo pessoas muito mais providas de finanças se esquivarem quase como se fossem artistas circences de pagar uma conta. Não aceitei e o sugeri que comesse algo com aquele dinheiro, então foi a vez dele acatar. Na hora de nos despedirmos me deu de um súbito vontade de abraçá-lo, mas ele me pareceu meio defensivo, e eu recuei, e logo me deu um aperto na garganta, como aquele que dá em eliminação de copa de mundo, passei meu e-mail e peguei o dele (esses bebados boêmios de rua andam tão modernos ultimamente), então civilizadamente ele me puxou -- quase rasgando a minha camisa -- pra perto de si dizendo que me ensinaria algo infalível para conseguir sexo a qualquer hora com a minha mulher, isso muito me interesou e ele me falou com um jeito bem explicativo "um amante nunca deve dormir, enquanto o outro dorme, para sentir e ver o outro acordar", estava com a noite ganha, o velho Falu me mostrou que sabia das coisas, depois aínda deu referências bibliográficas sobre a frase e me fez repetir até aprender cada sílaba, achei o máximo.
Quando achei que a noite estava ganha e que meu encontro com o velho Falu tinha findado ele me puxou novamente e me disse "quem você é?", fiquei intrigado, decepcionado, pensei que talves ele tivesse alguma espécie de lapso de memória, então ele disse novamente "quem você é de verdade, o que você quer, do que você gosta?", minha garganta fechou aínda mais, pensei no que diria para o velho Falu, me vieram milhares de pensamentos e ele disse, dessa vez com um ar incrivelmente didático "você não deve responder isso pra mim, responda pra você mesmo, mas pensa bem, pensa bastante pra se responder, essa é uma pergunta importante". Fiquei abismado, embasbacado, chame como queira mas fiquei também envergonhado, com o fato de menospresar a inteligência daquele homem que estava sentado à minha frente, e envergonhado também com o fato de não me fazer essa pergunta a tanto tempo.

Ouvindo:
Higway Blues - Ernie Watts
Ella Fitzgerald

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Suporte o que vê, banque o que sente.

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Não conseguia terminar a pintura, estava quente e a tinta pedacenta não parava quieta no rolo e caia toda no chão, não tinha com o que forrar e estava cansado demais pra tomar maiores cuidados, escorregava descalço no chão cheio de tinta, suava em bicas mesmo estando apenas de cueca e tinha fome, fome insolúvel pois os os oito reais que tinha já haviam virado um maço de cigarros, duas coxinhas e uma coca de seiscentos umas quinze horas atrás. Já tinha ouvido todas as músicas que tinha no celular, duas vezes, fora as que deixara no repeat por pelo menos umas 6 ou 8 vezes, “coisa de psicopata” pensava, apesar de nunca ter se esforçado  em provar pra si que não o era, agora então tinha mesmo era que provar que não tinha razão, não tinha vontades, era só uma meta e pra lá rumaria, já não podia mais adiar muitas providências, não podia sonhar e nem ficar viajando, achando que tudo se resolveria, nada se resolveu, agora tinha que acabar definitivamente com isso.

Deitou-se no chão achando que não levantaria mais, suas costas se espalharam na tinta, seus músculos esfriaram, o sangue quis coagular inteiro, fechou os olhos ouvindo Garage Fuzz, ficou pirando nos tempos de moleque quando não tinha esses perrengues pra resolver, respirou fundo e quando a mesmo música começou de novo abriu os olhos, viu o teto todo manchado pela água podre que escorria dos vazamentos no telhado, fechou os olhos de novo e lembrou de quando lixava o forro de madeira da casa dos pais, nessa época ouvia Pixies, Sonic Youth, dez anos depois e estava preso a um teto de novo, com os músculos prontos para arrebentar, com os olhos querendo fechar. 

 Pára! Vamos logo com isso caralho! — Ralhou como se fosse o próprio patrão, se jogou para fora do chão e pegou um cabo de vassoura pra mexer a tinta, não podia parar, nunca pôde, mas hoje é que não pode mesmo.

Mais umas horas e terminou a pintura do teto, olhou pra baixo e o chão estava mais branco que o teto, olhou pra si e estava também mais branco que o teto, mas não conseguiria mais nada naquela noite, partiu pra a lavagem do chão. Tentou raspar com uma espátula as partes mais secas, o que a cada movimento lhe parecia uma burrice maior, então lembro-se que comprara um limpa pedra que diziam surreal, e era mesmo, passou no chão e não conseguiu mais respirar, em volta dele o apartamento aumentava e diminuía de tamanho como se fosse uma sanfona, era soda cáustica e ácido sulfúrico suficientes pra refinar uma tonelada de coca, olhava para as paredes e elas não paravam de se mexer, as formas geométricas negras pintadas nelas tentavam falar algo, parecia um cover ruim dos últimos minutos de Diamond Sea, o rolo ficou mais pesado que a lata de tinta e só deu tempo de procurar um lugar seco pra cair.

Acordou no meio da madrugada ainda tonto, sem saber onde estava, se arrastou até a rua, sentou-se na calçada e olhou pra rua escura e deserta, respirou alguns minutos e entrou pra pegar um cigarro e uma bermuda. Voltou, fumou, acendeu outro na bituca e entrou de volta, pegou uma camisa e voltou pra rua, não pensava direito, estava caindo como se estivesse bêbado, e estava, era estafa, já não adiantava mais continuar, aquilo teria que ser suficiente, chegou no bar ainda tonto, pediu um copo d'água, engoliu sem nem ver e pediu outro, deitou a cabeça no balcão observando os vagabundos que lhe fizeram companhia por tantos anos, taxistas, prostitutas, insanos, traficantes, vagabundos de toda a espécie, olhava-os quase que com carinho, como que satisfeito por esta ser sua última noite ali com eles. Saiu do bar e foi fumar na calçada, sentou-se no chão e olhou pro céu que já tentava amanhecer, olhou para as mãos trêmulas sujas de tinta e queria entender como tinha chegado até ali. Sabia. Tinha aproveitado o que podia, mas agora não daria mais, agora era a hora de alcançar os líderes, um pique para não perder a esperança, olhou para o céu e ele ficava violeta, olhou para as mãos de novo e viu os calos, os machucados, os cortes, a tinta, as verrugas, viu que é velho e novo ao mesmo tempo, viu que merece o que tem porque é teimoso, viu que não tem nada porque gasta as coisas como gasta a si mesmo, todos os dias de cada vez, sabe que seus ossos não quebram com facilidade e sabe que no fundo não precisa sofrer, que cria as próprias dores pra ter sobre o que escrever depois, que chora as perdas pelos outros e não por si, sabe-se objetivo e sabe perder, e como sabe.