sábado, dezembro 13, 2008

Sina

When the routine bites hard and ambitions are low
And the resentment rides high but emotions won't grow
And we're changing our ways, taking different roads

Then love, love will tear us apart again

Why is the bedroom so cold
Turned away on your side?
Is my timing that flawed, our respect run so dry?
Yet there's still this appeal
That we've kept through our lives

Love, love will tear us apart again

Do you cry out in your sleep
All my failings expose?
Get a taste in my mouth
As desperation takes hold
Is it something so good
Just can't function no more?

When love, love will tear us apart again

sábado, dezembro 06, 2008

Brisas curtas...

O que você espera? O que você quer? O que você acha que as coisas deveriam ser? O que deveria ser? Essa é a pergunta inicial, a brisa é livre, o tema escolhido na hora, sem reunião de pauta nem maiores milindres... 



o que deveria ser o cigarro? 

"Você sai nervoso, olha para os lados e está tudo turvo, não pensa direito, não fala, respiração curta, galopante. Olha pra trás e a porta fechada te chama a derrubá-la, "filha da puta!" você pensa, "filha da puta" você murmura, "filha duma puta!!" você grita... parece que a porta vai se abrir a qualquer momento... você fica louco pra chutar a porta e depois que ela cair chutar quem sair de dentro dela... você olha, mira, toma distância então vira as costas e pensa "vou fumar um cigarro antes que eu faça alguma merda."

Cigarro mata, adoece, apodrece, tira o fôlego, está cada vez mais caro, dá mau-hálito, estraga os dentes, incomoda os outros, queima os outros in the dancefloor, mas também te dá tempo para pensar, joga fumaça no seu cérebro e desanuvia as idéias, as ninas do cigarro acalmam, os cinco minutos out there te dão a chance de uma nova perspectiva, um novo respiro sujo e malcheiroso, uma segunda chance de não por tudo a perder, de não precipitar, uns instantes antes da aposta... no tempo de um trago, no tempo de um cigarro.


Vicio social, vicio psicomotor, mania, compulsão, WM 270 - Substance-related disorders... cigarro é tudo isso e sem dar brisa.



Um caretinha é um freio de arrumação.


Por: João Pedro"




 Mas isso é só o que eu acho, agora veja o que eles acham, e se quiser, ache, escreva, comente também...


em  O que deveria ser



sábado, novembro 08, 2008

Coça aqui!?

Não é uma questão de gostar ou não do que se é, apenas o é, e eu tenho isso, carrego comigo, não que eu faça algo para manter ou mostre de forma especial. Na verdade sempre tentei evitar ao máximo mostrar, sempre evitei o que pude em mostrar minha pele. Não por ela, que admito achar até saudavel, mas por ser magro, em algumas épocas da minha vida, excessivamente magro. Acho que sai no máximo umas três vezes de camiseta regata em toda a vida, das três vezes duas foram na praia, onde não faz tanta diferença assim estar de regatas, já que já estou de bermuda mesmo. Eu não usava bermuda, nunca, tenho duas ou três hoje, a maioria das que tive foram-me dadas, acho que comprei duas bermudas a vida toda, se não me engano, de resto só se me derem, porque sei que dificilmente irei usar. Praias de nudismo me trazem uma tranqüilidade, sem falar na Praia Grande. Ver um monte de gente esquisita me dava forças para poder tirar a camiseta e entrar no mar, apesar das micoses. Eu entrei de camisa no mar centenas de vezes. Acho esta uma auto-repressão essencial na minha vida, muito simbólica. Cresci e passei a ligar menos pro que os outros pensam. Verdade que também engordei bastante nesse tempo. Cheguei a ficar flácido sem ter ficar bonito entre uma coisa e outra, como acontece com o Homer Simpson certo episódio. Agora me sinto bem melhor, não chego a ser atlético, na verdade acho meus braços magros demais e meu abdômen sem forma, assim como tudo, sem forma. Mas já está melhor, agora tiro a camisa até na USP ou em parques, perdi um pouco a vergonha da minha pele. Em parte por ouvir repetidas vezes que eu tinha uma pele gostosa de pegar, o que é uma carta cega, já que se ela é gostosa de pegar isso não a torna melhor de ser vista. Mesmo assim resolvi assumir minha pele, meu corpo, minhas cicatrizes. Não tenho muitas, mas tenho carinho por elas, não sei se por uma questão de hombridade ou só pela lembrança simplesmente,  gosto delas.

Essa é uma coisa que eu já havia notado, sempre notei na verdade, como uma ruazinha pela qual você nunca passa, mas quando passa olha sempre pra mesma casa, como uma uma favorita, e esse lance de “sua pele é gostosa” é uma dessas casinha. Na verdade isso me chama atenção porque sou adicto em me coçar, é como uma doença, provavelmente é. Tenho uma coceira constante, irritante, de tirar do sério na verdade por cerca de 90% do dia.

Pelo corpo todo, porém de tempos em tempos o foco central, onde fico com marcas e de onde sangra, esse foco migra, nunca procurei identificar a lógica da migração, mas deve haver alguma. No começo me coçava muito o pé esquerdo, era infernal, do lado de fora do pé, no tornozelo na verdade. Eu me coçava até sangrar, até doer pra valer, tinha sangue em todas as minhas meias, e isso durou anos, fui a vários médicos diferentes, usei dezenas de pomadas, comprimidos, o que havia. Ouvi os nomes mais diversos, era até engraçado às vezes ir a um médico novo, eu tinha uma lista de nomes de doenças, de remédios e de cremes, eles tinham uma lista de medicamentos para propor e que em pouco mudavam a situação, eu já havia usado ao menos meia dúzia e dizia “esse não funcionou, não tem outro?”. Todos sempre concordavam que não era bacteriano e nem viral, era de dentro pra fora. Um dia desisti, me resignei. Tentei a Yoga antes, mas também não foi muito eficaz. Depois de passar pela nuca, pela virilha, pela perna direita e pelo pescoço ela se concentrou na axila agora, não sei nem desde quando. É engraçado ouvir que algo em você é bom quando essa parte vive se despedaçando, machucada, sangrando, e as pessoas mal se dão conta. “Deve ser tique” devem pensar.

Já pensei que poderia ser uma espécie de inveja, como se quando dizem “sua pele é gostosa” eu tivesse, numa reação de inveja a vontade de rasgá-la com minhas próprias mãos. Nunca descartei por completo essa hipótese, apesar da esperança de que meu subconsciente não seja tão imbecil. Acredito mais na autopunição por culpa, meio Stanleenesca por ser a minha pele o que faz eu me envolver mais intimamente com as pessoas, e as relações que eu construo em cima desses “lances de pele” acabam boa parte das vezes causando muita dor, pra mim e pras pessoas que eu gosto, daí eu me coço até rasgar para me punir pela dor causada ou pra me livrar dessa pele, dessa parte minha que atrai as pessoas, atrai para o meu mundo instável, problemático, excessivamente empírico, magro e barrigudo como um desenho do Marcatti. Acho que por isso gosto do Cable (X-men), sempre lutando com o poder da mente contra a autodichavação, lutando contra uma parte dele que está "se matando".

Dia desses vi o “Control” (Anton Corbijn, 2007), a biografia do Ian Curtis, e fiquei pensando sobre como é ser epilético, eu era epilético, por pouco tempo, mas fui. A psicanálise acreditava (não sei ao certo se isso foi totalmente desmentido) que a epilepsia era uma tentativa de suicídio, como se o corpo quisesse matar seu dono...

Na bula do remédio que tomei para a epilepsia dizia que eu poderia ter coceiras e erupções cutâneas, nas reações adversas. Então em vez de me matar eu passei a tentar me deslatifundiar do meu corpo, na unha.

O Ian Curtis e o Cable não são exemplos muito... Científicos pra, bem, pra diagnosticar uma alergia psicossomática que eu já tenho faz quase dez anos.

 

Ouvindo:

Deftones – Be Quiet and Drive, Dai the Flu, The boys Republic

Cat Power – The Greatest, He War, Naked if I want to

Paige – No surprises (Radiohead cover)

Imogen Heap – Hide and seek

Moby – Porcelain

PJ Harvey – The slow drug

Nina Simone – Don’t take all night

Björk – So broken

Erik Satie – Gymnopedie #1

terça-feira, setembro 09, 2008

Brand new clothes - Parte I (sim, terá parte II)

Sabe quando você não vai muito bem das pernas? Eu estava assim. As contas se acumulavam debaixo da porta e eu não tinha forças mais pra me abaixar e tira-las de lá, já imaginava o dia em que não conseguiria entrar em casa por conta delas. Procurava trabalho, mas me decepcionava com eles antes mesmo de terminar as entrevistas, já trabalhei bastante nessa vida, conheço bem vícios de empresas grandes ao tratar funcionários, já começa quando eles te dão um nome e uma sigla, pra não terem que te tratar como gente, e isso é feito no primeiro dia, às vezes na entrevista já começa, CANDIDATO Nº32. Sei que devia me esforçar mais, afinal, tenho também meus vícios para sustentar.
Tenho ficado cansado com facilidade, não sei bem porque, apenas estou o tempo todo. Dou uma cagada umas três vezes por dia, ainda lembro quando tinha bandejão numa fábrica onde trabalhei, ficava vinte minutos à tarde me cagando, sem parar, dava pra entupir uma privada menos preparada, mas não aquelas da fábrica, eram enormes, e limpas, como eram limpas. Hoje em dia até as cagadas me deprimem, cada vez mais rápidas e pífias, por vezes com sangue, ou vinho, o que dá quase na mesma, agora tem saído quase que só água suja, mas como fede.
Dia desses estava pensando em como me reerguer, vi que a situação estava ficando perigosa, tentei vitaminas, CVV, igreja, outras igrejas, auto-ajuda, psicanalistas residentes, pílulas vermelhas, azuis, verde-e-amarelas, não rolou. Um dia uma gata que eu costumava fazer apareceu no meu confessionário de praxe. Logo de entrada já pegou uma vodka e um energético, pagou com uma nota de cinqüenta, estava feliz da vida, isso se notava de longe. Nem me viu por baixo da barba mal feita e da corcunda faminta, então fui até onde ela estava, no meio do balcão, onde todos podiam vê-la, que era como ela gostava de ficar. Cheguei e pedi uma cerveja.
– Ei Sarah, pelo jeito você está ótima, então posso pular essa pergunta...
– Quem é v... Jota! Gato, o que que ouve?
– Caralho gata, não achei que estivesse tão ruim. Mas já que você notou, bem, estou meio enrolado.
– Porra mano, te disse pra não ficar andando com aqueles malucos Socorro.
– Não é nada disso. Eles até têm dado uma força. Tô sem trampo, procurando, mas ta foda! Sabe como é né, lembra quando teu irmão ficou nessa.
– Mas ele pelo menos se lavava. O que ta havendo contigo cara?
– Nada gata, nada mesmo, só estou de saco cheio, tô dando um tempo, pensando numas coisas, logo eu to aí de volta, te tirando de cima desses seus saltos de dois barão.
– Assim espero, desde que eu voltei da França que não dou uma das boas, como você costumava me dar. – Agora ela se lembrou de mim, sorriu do jeito antigo. – Mas se liga, tem um cara que eu conheço que vai abrir uma fábrica aqui perto, em Santo Amaro, é um cara legal, daquelas bixas finas sabe? Então, acho que ele te consegue alguma coisa. Você ainda tem aqueles contatos no México?
– Tem uns caras lá, mas o que ele ta querendo?
– É uma fábrica de roupas, e ele quer exportar pros Estados Unidos, mas o imposto direto daqui pra lá é muito alto, se as roupas passarem pelo México pra receberem os botões ou só trocarem de caixa daí fica bem mais viável a parada. O que você acha?
– Sei lá gata, os caras lá exportam outro tipo de coisa pra gringa, não sei se eles iam pirar nesse lance de roupa de bixa.
– Sei lá o caralho, é grana alta, eles manjam de exportação, você conhece os caras, ta tudo perfeito, porra Jota, entra nessa comigo, te ajudo no que precisar, vamos lá vai, ou você vai dizer que não ta com saudade do meu rabo?
– Tá Sarah, ta certo, vou ligar pros caras. Mas quando eu vou conhecer esse seu mano bixa? Se ele vier com história pro meu lado...
– Relaxa Jota, o cara é de boa, tem o macho dele, e você já conheceu ele uma vez, numa festa que eu dei praquele lóki que vende uns cavalos, ele sabe que você é cacho meu.
– Se é assim... mas eu to um lixo, será que ele vai colocar um fé em mim?
– Se liga, ta aqui uma grana – Ela sacou um maço de Euros e uns reais e umas moedas sei lá de onde – Compra um terno, faz barba, unha, cabelo que eu marco de você encontrar esse cara daqui uns três dias.
A conversa rolou mais um pouco, ela me deu uns detalhes sobre o lance. Qualquer um diria que era a chance de uma vida, mas eu sou mineiro e como tal desconfio até do Papa morto. Depois disso e de mais algumas vodkas ela se abriu mais um pouco, falamos sobre trivialidades, toda a sorte de trivialidades na verdade, tentei investir num incentivo a mais, um proximidade maior,sabe como é, pro assunto não morrer por ali, como costuma acontecer com gatas dessas de salto agulha, mas eu realmente não andava muito convidativo desde que cortaram a água em casa, então nos despedimos e fiquei sozinho de novo no altar. Àquela altura todos os outros vadios do bar se perguntavam o que ela tinha visto em mim, eu não saberia responder, nem mesmo nos meus melhores dias, acho que eu só fazia o que tinha de ser feito, e elas vinham, a grana vinha, tudo fluía, a coisa desalinhou e eu passei a ser ganguebangueado por tudo e todos quando deixei de fazer o mínimo, o essencial, que agora, vendo as contas acumulando e a mamadeira enchendo me liguei que deixar acumular é um péssimo negócio e agora tenho que me mexer antes de ficar preso pra fora de casa.
Esse bar tinha um banheiro ótimo, pelo menos agora acho isso. Ele fede sim, e muito, é imundo pra falar bem a verdade, mas o lavabo é um tanque e como eu não tenho água em casa o tanque virou meu chuveiro. Em algumas horas iria encontrar meus pais, então era a hora para começar a por ordem na casa. Eles estavam vindo do cu de mundo onde eles foram morar desde que o velho se aposentou, não fui lá ainda, então não sei nem se é praia ou mato, mas espero que esteja fazendo bem pros nervos dele, pra que ele não encha os meus.
Passei pelo bar contando meus euros amassados, paguei a conta enquanto secava o rosto com a camisa aberta e depois fui pra casa me arrumar pro jantar, de repente conseguia levantar algum com ele também, pra reerguer meus cacos. Cheguei e já vomitei por cima da merda fétida de vinho do dia anterior, tentei a descarga sem sucesso, de novo sem sucesso. Abri a janela pra dispersar o cheiro e a chuvinha de verão que acabara de começar me molhou mais um pouco, gosto de água da chuva, em São Paulo a possibilidade dela ser ácida é grande mas o que é um peido pra quem ta cagado.
Coloquei uma calça de linho, linho é sempre uma boa escolha, até porque está sempre amassado, então ninguém acha que eu deixei de passar, uma camisa estampada pra que os velhos tenham com o que se destrair quando o assunto acabar, um sapato confortável e listo, é só correr pra churrascaria.
No ônibus meu estômago começou a embrulhar de novo, o busão tava cheio, as pessoas falavam alto e ficavam com aqueles celulares ultramodernos tocando funk carioca alto pra caralho, gosto de funk, gosto de música, mas se você coloca três músicas ao mesmo tempo a coisa costuma ficar sacal, incomoda, e este era o caso ali. Desci travando os dentes e me escorei no primeiro poste em busca de um relento, foi-se tudo o que eu não consegui cagar, nem digerir, detesto ver aquele frango de coxinha todo sendo desperdiçado, grana desperdiçada. Faltavam só três pontos, a chuva já tinha parado e agora subia aquele vapor quente de fim de tarde de verão, eu estava tão mole que acho que poderia flutuar naquele calor todo, comprei cigarros no caminho com as moedas que vieram junto dos euros e segui debaixo daquele céu dourado de cerveja com colarinho de enxofre de fumaça de caminhão.
Cheguei e eles já estavam sentados, comendo, os velhos com suas posturas sempre dignas, minha irmã-modelo-de-boa-filha já dopada de Prozac genérico, o cunhado médico imbecil e a criança que é a cara do cunhado médico imbecil mas com o humor da irmã-perfeita-drogada, com o agravante de que ele grita, pelo menos quando eu estou a mais de três metros desde que eu lhe arranquei dois dentes de leite num tabefe. Os e abraços distribuídos, falsa simpatia desperdiçada, todo aquele negócio que toda pessoa com cicatrizes de queimadura infantil conhece. Fui no banheiro, soltei mais um suco de coxinha, me servi de palmito e tomate seco e voltei pra mesa.
As conversas eram as de praxe, a irmã perfeita e o imbecil falavam das maravilhas que eles tem feito pra ficarem ricos, o velho falava dos peixes que ele pescava e que ficavam maiores a cada frase, mesmo ele não me explicando se pegava eles num rio ou no mar, o que eu acho que é de propósito, ah! E nos intervalos eles falavam do quanto eu parecia/era um derrotado, de como eu não sabia administrar dinheiro, alimentação, relacionamentos, dinheiro, trabalho, e blá e blá e a merda toda.
Lá pela sétima cerveja e depois de molhar a mão do garçom por duas rodadas de picanha com alho achei que era hora de tentar levantar algum, e falei da porra toda com o viado e o contrabando de roupa pra gringa, eles fingiam não ouvir, daí o velho manda “com quem você arrumou esse trambique agora? Com aqueles caras do Socorro, no mínimo né?”, respirei e contei que tinha encontrado com a Sarah e que estava tudo engatilh... “aquela vaca rica que você comia? Não bastou acabar com o seu casamento, ela quer te arrancar o que agora se só te sobraram as pregas do rabo? Se é que...” nisso me cansei e saí da mesa, mas não de corpo, só em mente, como faço desde que era um pequeno ranheta punheteiro e fiquei montando minha pista de skate, eu sempre montava pistas de skate virtuais quando não estava afim de ouvir o que me cuspiam, tinha half, trapézio, corrimão horizontal, bowl, a porra toda, na hora da sobremesa ele ainda falava e eu estava com o cabelo ao vento, descendo uma rampa insana de BS (backside = discosta) então rolou uma deixa e eu caí de nollie na conversa, dei um slide e despejei “então mano, é o seguinte, a vaca tá querendo me dar uma força, coisa que vocês não têm se aviado a fazer faz um tempo, o trampo a principio nem ilegal é, então deixa dessa cretinice e me ajuda com algum pra eu pelo menos comprar um barbeador, se não for te fazer falta nessa vida de pescador senil... senil”. Daí rolou aquele silencio, eles ficaram olhando pra estampa da minha camisa por umas oito horas mais ou menos e depois o velho sem tirar o olho da minha camisa pegou a carteira, tirou duas onças e jogou na mesa, eu peguei a grana e deslizei satisfeito pra rua, sem falar uma palavra, na saída risquei com uma chave a lateral do Omega do velho, só pra tirar uma chinfra do pilantra.
Não detestava deles, também não gostava, é um lance estranho, só acho que ele podia admitir que vacilou em vez de ficar falando o quanto eu sou um merda. Esse tipo de pessoal não dá muito pra odiar, estão sempre com aquela cara de decepção, cegos naquela visão estreita onde você está fadado ao lodo e à derrota se não for seguir os passos deles, casando, tendo filhos, um bom emprego, acordando cedo pra caralho e pegando busão lotado, fiquei nessa tanto tempo que já me encheu, simplesmente me deu no saco ficar nessa sem levar nenhum em troca.
Eu tinha agora dois dias pra arrumar as coisas e encontrar com o chola amigo da Sarah, uma vaca legal essa Sarah, só podia ser um pouco menos trambiqueira e não ter fodido com o meu casamento. Voltava pra casa pensando em como ia fazer pra ligar pro Hector e pro Pedro lá no México, precisava saber se pelo menos eles estão vivos pra poder fechar o negócio. Gostei do México, aquela cidade gigante, parece São Paulo, mas sem ladeiras, tudo plano, isso definia bem as diferenças entre os paulistas e os chicanos, eles são mais espertos pra planejar, mas a gente tem mais garra pra correr atrás, pra subir ladeira, viver aqui é lutar contra a física, contra o bom censo e contra o próprio fígado.
Já estava a horas a caminho de casa e nada de chegar, até que eu vi ali da avenida Ibirapuera a janela acesa de uma gata que eu aqüendava de vez em quando, parei num orelhão e pá, ela atendeu..

– E ai Jessica, vamos tomar uma no Gimba, hoje eu pago!
– Você pagando meu bem, fiquei sabendo que você tava na pior.
– Soube errado gata...

Horoscopo

Adoro o horoscopo do Yahoo...

September 09, 2008
Aquarius (1/20-2/18)
If someone is telling you that you need to add more discipline and structure into your life, they are probably projecting their own needs on to you -- so take what they say with a grain or two of salt. Even if they are in a position of authority over you, they have no right to tell you how to live your life. Perhaps you could suggest to them that they need to spend more energy on what they are doing and little less on what you are doing. You are doing just fine, don't worry.

Fuck you all!!!!!

segunda-feira, maio 26, 2008

Regras do amor

Eu e minha namorada sempre tivemos nossas briguinhas, mas que casal não tem não é? Muitas vezes brigávamos feio, de bater porta e não nos falarmos por dias. Violência nunca, abomino isso, e ter quase oitenta quilos me mantém quase imune a uns sopapos, apesar de já ter recebido alguns, mas isso já outro lance.
Estávamos numa espiral de brigas interminável àqueles tempos, éramos pessoas ocupadas, trabalho, eu ainda estudava à noite e como profissionais das humanidades, tínhamos que manter contato próximo com alguns colegas mais influentes, o que na verdade não era sacrifício algum, afinal, redações de jornal, agências de fomento cultural, produtoras de arte e estúdios de fotografia sempre foram lugares povoados de pessoas divertidas, e gostávamos daquela vida agitada de cidade grande, cheia de festas, jantares, vernissages, exposições e bares da moda.
Porém, com o tempo começamos a nos desencontrar, já não dávamos conta da vida a dois, aliada àquela vida louca de Engovs e olheiras. Começamos a nos ver cada vez menos, e a cada passo que a relação dava nesse sentido as brigas só faziam aumentar, em quantidade e qualidade, chegamos ao cúmulo de brigar lado na cama ou por nomes não ditos; e foi aí que resolvemos colocar regras de convivência, nada demais, não era uma cartilha nem nada do tipo. Começou na verdade de forma bem singela, depois de uma comida de rabo depois do terceiro atraso no trabalho em uma semana (e era quinta-feira) veio a primeira regra, em forma de desabafo, por e-mail mesmo, a fim de evitar que aquilo se transformasse numa pauta, era simples, ela escreveu “não faremos mais sexo pela manhã, e quando o despertador tocar é porque é hora de acordar”, nada muito drástico, só era necessário para que ambos mantivessem seus respectivos empregos. Seguimos a lei à risca, era um sucesso institucional.
Porém este nem mesmo era um motivo de briga, e com o tempo tinha potencial de se tornar um novo motivo. Numa conversa inocente de MSN veio então a segunda regra, também nada sério, era algo como “se sairmos separados e formos dormir juntos, o mínimo antes de cair na cama é escovar os dentes, quando um banho não for requisitado pelo bom gosto”. Vai dizer que não é justo? Isso era um motivo potencial para brigas, apesar de nunca ter suscitado nenhuma. O problema com essa regra era justamente esse, apesar de seu fundamento jurídico e prático justíssimo e alinhado com as leis mais básicas da convivência humana, ela tinha um vício de jurisprudência, já que normalmente dormíamos juntos na minha casa, e como ela se recusava a manter uma chave, então eu sempre chegava antes, assim sendo, a regra tomou um tom de crítica, sinceramente até o era, então, como era de se esperar, na próxima briga que pode ter começado com qualquer trivialidade como um arroz queimado ou um presente quebrado (bibelôs são frágeis exatamente para serem quebrados e substituídos, isso mantém a dinâmica do casal realmente dinâmica) então que veio a requisição de uma retratação a respeito da regra, ela foi discutida exaustivamente e por fim ratificada.
Se você conhece São Paulo ou assiste o Jornal Nacional, mesmo que de vez em quando, então você sabe que a cidade tem seis milhões de automóveis, e que eles não costumam passar dos 15 km/h, a não ser quando eles capotam na Marginal ou na Bandeirantes. Não gosto de dirigir, é fato, e pular de ônibus em trem e de trem em metrô sempre me pareceu bastante mais lógico do ponto de vista ambiental, de custo de vida, de saúde (estou falando do estresse), isso sem falar que eu tenho pavor de dirigir. Pois bem, vez dessas resolvi visitar um grande amigo que acabara de ter um filho e uma grande publicação, ele resolveu dar um churrasco e eu me prontifiquei na hora, apesar de ele morar literalmente do outro lado da cidade, como não poderia deixar de ser. Ela teve que trabalhar, o que acontece bastante com ela. Já à noitinha ela me liga “tu vens jantar comigo?/jantar não, come que eu to saindo daqui em seguida e vou te ver”. Cerveja, carne, amigos queridos e o bebê cor de rosa dispensados, com a pressa que a ocasião pedia (sinceramente não muita, já que não pretendo voltar ao Jd. Sabrina tão cedo (Só um adendo sobre a vida em Sampa: Se alguém te convida pra ir num lugar chamado “Jardim” desconfie, se o segundo nome for nome de mulher então, te prepara para viajar pela cidade)) me fui, uma hora de ônibus e mais meia horinha no metrô e eu já estou quase lá, então o telefone toca “to cansada, nem precisa vir”... mas... e a ... bem, no dia seguinte abri o e-mail e uma nova regra, menos pontual, mais de conduta, “meu tempo não é merda, não trate-o desta forma”.
A gente resolveu depois de um tempo morar juntos, pra tentar amenizar as brigas e dar uma nova qualidade para a convivência, uma chance pro amor vencer, porém as regras não deixavam de surgir, daqui e dali, “não peidar na frente dos meus pais”, “anal só em data especial”, “esse tênis você guarda pra quando eu estiver fora do estado”, “quem lava a louça escolhe o filme/DVD”, "não fumar no quarto", “na lua cheia não me enche”, isso sem falar nas posses, algo muito importante na sociedade atual, “essa escova de dente é minha”, “os meus enlatados estão com um “J” escrito em cima”, “não usa meu chinelo”, entre outras regras básicas que nenhum casal pode viver sem como “não coloca essa mão úmida na minha progressiva”, “não xinga o meu primo, ele é gay sim mas ele pisca pra você por causa de um tique que ele tem a anos”, “se um CD está fora da caixa é porque ele não é importante, então eu vou jogar fora”... Depois de algum tempo já não se repetiam as regras, primeiro surgiu o “lembra do que a gente combinou”, mas depois mesmo isso se tornou obsoleto e nos entendíamos quase que exclusivamente por sinais, o favorito dela era o olhar cortante, o meu era estalar língua contra o céu da boca e levantar a sobrancelha direita.
Mas mesmo assim ia tudo bem, tínhamos nossos empregos, a casa, as roupas, os corpos e tudo mais em perfeita higiene e ordem, conseguimos comprar todos os utensílios domésticos do fast-shop depois que eu parei de gastar com cigarro e ela com o chocolate, éramos enfim um casal feliz e saudável.

Kafka era casado?

quarta-feira, maio 07, 2008

Agora aqui.



Estava cansada, depois de um dia duro de trabalho, comprei legumes, um peixe e corri pra casa pra fugir da chuva, sem sucesso, a sacola de papel com os legumes estourou e fiquei na chuva recolhendo-os por tempo o suficiente pra ficar ensopada e não precisar mais correr pra casa. No metrô conferi se estava tudo lá. Faltavam os aspargos. Nem mesmo podia olhar pra frente em paz agora, pois estava toda molhada e minha roupa marcava cada linha do meu corpo, o que causou alguns risinhos de crianças e comentários deselegantes dos homens do vagão. Não me importava realmente, só não queria ser vitimada por gentilezas pretenciosas e cheias de intenções, como já acontecera antes. Não queria mesmo ajuda alguma, estava satisfeita com minha cara amarrada a caminho de casa. Ao me levantar notei o salto quebrado, o que não haveria de ser novidade num dia daqueles. Corri pra fora da estação e caminhei agora mais sossegada, a caminho de casa, molhando os pés no húmus gelado das folhas que caíram com o vento e com a chuva.
Peguei a chave na bolsa e entrei, nem mesmo olhei para os lados pra não ter que ouvir piadas de algum vizinho. Tranquei a porta, joguei a chave na mesinha, enfim estava livre, a bolsa voou graciosa até o chaise, o terninho soltei numa cadeira enquanto tirava os sapatos molhados no corredor que vai até a cozinha, lá peguei uma taça grande, subi noutra cadeira e peguei um Cognac, era um presente de muito tempo, um Courvoisier, hoje eu merecia ele, abri e sem culpa coloquei uma dose generosa. Peguei minha taça e a garrafa e subi as escadas perfumando a casa toda com aquele aroma. Chegando ao quarto abri as persianas, mas mantive o vidro fechado já que a chuva não cessara, apesar da luminosidade ímpar daquela tarde, o céu ganhava tons de rosa e dourado e fiquei por ali, em frente à janela enquanto tirava o resto da roupa ensopada.
Não sentia frio, tampouco estava incomodada em me esconder dos passantes, pois estava segura, confortável e agora nua. Sentei-me na cama e observei os últimos raios do Sol atravessarem minha janela, sozinha, forte, eterna.

Limonada suissa III

Encontrei o Mad em cima da hora, ele estava no bar da esquina de casa, com a mochila no chão. Vamos logo com essa porra senão a gente perde um busão, eu gritava, eu tremia, estava louco pra chegar logo. Foi um mês foda, escrevia o que passava na cabeça, tentei levantar uma grana em todas as fontes de dinheiro que eu conseguia, vendi uns CDs, tentei vender uma mochila, não rolou, tinha quase duzentos paus, pra ingresso, hotel, comida e bebida, a passagem eu parcelei, o Mad não sei quanto tinha, provavelmente mais.

Chegamos no posto de gasolina, acendi um cigarro encarando o frentista, que já tinha desistido de pedir pros viajantes não fumassem... que se exploda tudo mesmo! Eu estava excitado, ia ver a melhor banda de um dos períodos mais férteis da história da música (89-92), estava louco pra chegar lá logo, estava tarde, estava frio, lá devia estar pior, a guria da pinta sabia q eu ia, mas não parecia muito empolgada, um dia eu descobriria que ela não é uma pessoa empolgada, mas isso já é outra parada.

Embarcamos, era a primeira vez do Mad fora do estado, ele estava brilhando, ia encontrar um cara do MSN... às vezes tenho a impressão de que todos os gays de São Paulo já ficaram entre si, daí às vezes eles saem pra dar uma diversificada, acho justo. Pessoal versátil.

Embarcamos e o ônibus estava meio vazio, como de costume, achei até estranho, pensei que poderia ter errado a data do show de novo, apesar de conferir na internet umas 15 vezes por dia. Entrei e não conseguia dormir, ouvia o Dirty do Sonic Youth, eu estava dirty, com a mesma calça a dias, como o meu irmão quando rasgou a perna no arame farpado aos 12 anos.

Acordei sem ter dormido, achei que estaria de manhã quando chegássemos, errei feio, era noite, era frio, era chuva, era cansaço, era o caralho todo. Foda-se. Pegamos as mochilas e fomos com chuva e 6°C pro albergue, entrei na portaria me sentindo em casa, e aí brother, tem um quarto? Não tem. Como não!? Você tem reserva? Tentei fazer mas o cara disse que nem precisava. É, o cara se enganou, estamos lotados. Mas... estamos lotados, bom dia!

O Mad me olhou de canto de olho, aquilo era o tipo de bosta que poderia abalar uma amizade, esqueci de fazer a porra da reserva e agora a gente tava na rua, na madrugada, molhados e morrendo de frio. Fomos até uma conveniência, comemos qualquer coisa, cervejas, algumas indicações com outro frentista desses com medo de explodir. Olho bem no olho dele enquanto acendo o cigarro, eles ficam loucos! Andamos uns 300 metros e achamos um hotel, achei meio arrumado demais, não que eu não goste, mas não dava pra pagar muito. Oi/bom dia/é, tem um quarto?/Sim/o mais barato/é tanto/caralho/é/valeu. Mas eu posso pagar/eu não/eu pago pra ti/nem fodendo, a gente arruma coisa melhor/mas achei esse hotel legal/é sua primeira vez fora do estado, vou te mostrar o que é legal.

Andamos mais, o Sol tava começando a aparecer. Sol nada né, aquele vulto que tem atrás das nuvens de Curitiba, quem já foi sabe. A chuva diminuiu um pouco, mas nem adiantava, acho q não dava para estar mais molhado àquela hora. Numa esquina vimos um sobrado amarelo, horrível, caindo de velho, e adivinha? Tava escrito Hotel nele. Lótus Hotel. Toquei a campainha, nada. Bati na porta, nada. Soquei a porta, daí desce uma polaca sardenta com cara de sono e hálito de pedra. Quarto?/É o que a gente tem/quanto?/um pros dois/... é/o simples é dez pilas, com mais cinco coloco um colchão no chão, ok?/perfeito.

Te disse Mad, a gente consegue coisa melhor... quem precisa de banheiro no quarto, você viu que massa o velhinho na sala de TV do hotel?... Não Mad, ele não ta morto, deve estar só dormindo... caralho, será que ele tava morto, aquela cor não é normal é?...

O quarto era massa, todo bege, absolutamente todo bege, e com uma vista ótima do centrão. O melhor negócio dos últimos meses. Acho que dava pra morar lá se eu tivesse que ficar em Curitiba uns tempos. Fui no banheiro, era ótimo também, vários fios elétricos por todo lado, sem saída de ar, mas o melhor era o espelho, a madeira da moldura do espelho estava podre e completamente arqueada, parecia que o espelho pesava uma tonelada, achei ótimo. Resolvemos tirar um cochilo antes de começar a explorar a cidade. Ele tinha marcado ao meio dia no mercado municipal com o carinha, ou coisa assim.

Sempre que vou a Curitiba vou nesse mercado, não tem absolutamente nada de especial, é mais ou menos como todo o resto da cidade, e as pessoas, tão morto que acaba parecendo legal.
Acordamos atrasados, corremos pra lá, estava tudo normal, algumas pessoas, não muitas, algumas bancas legais, não muitas, alguns corredores, n... ele ligava, e ligava, e ligava, e nada, hora não atendia e hora dava caixa postal, desistimos, fomos caminhar, eu tinha que comprar o ingresso pro show ainda. Era um tanto ridícula a situação, corri tanto pelo tal ingresso e de repente o negócio está sobrando, era num centro cultural de qualquer coisa, num centro histórico (Largo da Ordem) ou coisa que o valha, a atração do negócio é uma fonte desativada onde os cavalos tomavam água, bem Curitiba, um cavalo bebendo água. Entrei no lugar, um salão enorme, com uma pintura bonita na parede, um grande mural de algum artista local ou modernista ou exilado ou comunista, uma carteira daquelas de escola primária e um cara nela. Onde compro ingresso pro Pixies/comigo, inteira ou meia?/fácil assim?/vc quer preencher uma ficha ou coisa assim?/e pra hoje, tem ingresso?/o que você acha?/Meia pra hoje e pra amanhã/aqui... boa tarde. Caralho, agora sim eu tava bem, com os ingressos na mão, a um preço justo, as coisas estavam começando a funcionar. Fomos pra rua das flores, andamos aquilo de cima a baixo, tinham poucos indies na cidade, mas já dava pra notar uma incidência maior de listras, de lápis de olho e de Adidas. Sentamos pra beber, o Mad nunca tinha tomado um chope. Pedimos. E outro. E um Steinhäger, e por aí foi até a hora do Teenage Fanclub se aproximar.

Comecei a ficar alegre, achei até que tava com dinheiro, comprei uns livros, nada demais, mais pra ajudar o vendedor mesmo. O Mad rachou o valor de um livro comigo e ficou tudo ótimo. Fui pro show, peguei um ônibus, uns 20 minutos depois eu tava na entrada da pedreira, eu estava muito excitado com tudo aquilo, queria que o Mad estivesse comigo lá, ou a branquela da pinta, mas àquela hora não importava mais, eu estava com frio, com fome e sem grana, mas aquela noite seria "triafú", ela tinha que ser.

Vários dos shows de abertura eram ótimos, encontrei um pessoal que estava no albergue e me enturmei, nem por nada, só pra compartilhar frio e opiniões sobre os shows. Tinha uma canadense lá, Liane, achei que ela dizia que era de Viena, daí fui querer saber o que ela fazia no Canadá, Quebec, eu aceitei na hora, depois de umas semanas que fui entender um pouco do que se passou ali. Vimos boa parte dos shows abraçados, tava frio pra caralho, mesmo com a multidão toda. O Teenage foi sensacional, melhor do que eu esperava, mil vezes.

Na volta descolei uma carona até o albergue, eles tinham um ônibus que ia pra lá. Já salvei dois pilas, no ônibus a Liane deu um piti daqueles, não entendi nada, só sei que ela disse que era pra eu ir no albergue no dia seguinte, porque ali, naquela hora, no ônibus não rolava de a gente se falar. Acho que não rolaria de qualquer forma.

Saltei na rua das flores, tinha que buscar minha jaqueta de couro, que tinha esquecido num bar no mês anterior, fui andando na direção que achei ser a certa, e andei e andei, caralho andei muito, sifudê, não fazia idéia de onde era o lugar, de vez em quando parava num posto de gasolina ou num ponto de taxi, ninguém parecia saber muito mais do que eu, mas pelo menos o nome da rua eles sabiam já ter visto, o que era uma esperança. Pelas 3 da madruga achei o maldito bar, as paredes suavam de tanta diferença entre a temperatura de dentro e a da rua, que devia estar em uns 3°C aquela noite. Entrei e peguei a jaqueta, quase peguei uma outra, meio de motoqueiro, mas era meio pequena. Voltei com menos frio, com as minhas luvas furadas e a jaqueta de couro. Pensava na branquela da pinta, devia ir vê-la no dia seguinte, queria muito, mas não conseguira falar com ela ainda, só com a Morgana, uma amiga dela que pareceu bem mais feliz com a minha estada lá do que a própria da pinta. Vai entender. Pensei na relação toda, desde aquele dia louco na Aloca. A forma como as coisas aconteceram parecia uma jogada do destino, seja lá o que esse queria de mim, lembrava de uma coisa que ouvi uns dias antes, que quando olhamos fixamente pra uma coisa por mais de 38 segundos ela começa a perder a forma, a imagem perde a realidade e acabamos vendo coisas que não estão ali. Quanto tempo será que demora pra acontecer isso num relacionamento? Quanto tempo filosofando sobre uma pessoa faz ela perder a realidade, a forma? Queria ter essa resposta, queria saber quanto tempo longe é o suficiente pra mudar de idéia, pra desistir, acho que eu nunca vou ter essas respostas.

Cheguei no hotel, o Mad dormia feito uma criança, o steinhäger funcionou pelo jeito, mas o cara do MSN pelo jeito não. Mijei, me olhei no espelho torto, agora quem pesava uma tonelada era eu, precisava dormir.

Acordei no outro dia cansado, depois de atravessar a cidade na chinelada. O Mad acordou em seguida, fumamos uns cigarros, falamos sobre a noite anterior e voltamos pra rua. Agora eu estava decididamente falido, então o Mad pagou o almoço e algumas cervejas até que do nada a da pinta liga, estávamos na rua das flores e ela foi pra lá. Reapresentei os dois, tiramos umas fotos e demos umas voltas, sem conversas profundas, sem discussões, apenas um sábado à tarde gelado, bem Curitibano. Ela tinha que encontrar a mãe ou sei lá o que, e foi, continuamos em qualquer bar, tomando umas cervejas geladas. O Mad perguntava da garota, e eu só podia dizer não sei, porque era a resposta que me cabia, não tava com cabeça pra pensar em futuro ali, só queria saber do Pixies, e parti pra pedreira.

Cheguei e dei uma circulada, os shows de abertura estavam ótimos, o Wander Wildner quebrou tudo, o Pin Ups entrou com a formação original e arregaçou com 3 músicas dos primeiros álbuns, mas o público não se empolgou, a não ser eu e mais uns outros poucos. Então a Alê disse “essa é a última vez que vamos tocar esse som, e ele se chama Witkin”, caralho, foi a coisa mais linda da noite, foi incrível, mas os cretinos dos Curitibanos começaram a vaiar e a organização cortou o som, e eles saíram revoltados do palco, eu estava revoltado com aquilo, era o sonho de uma vida, Pin Ups de volta e Pixies numa noite, mas os cretinos provincianos destruíram tudo. No fim da noite eu ainda veria a Alê e a Eli carregando os instrumentos chorando, passando pelo meio da multidão, queria um dia dizer a elas o quanto fiquei triste com aquilo naquela noite.

Bem, ainda tinha o Pixies, e depois de quase uma hora eles entraram. É difícil dizer o que foi aquele show, só sei que não tinha nada acontecendo no mundo fora dali, sem pinta, sem destino, sem Mad, sem pindaíba, eram só Frank, Kim, Dave, John e eu naquela noite fria de Curitiba.

sexta-feira, março 21, 2008

A massagem.

É uma grande responsabilidade ser massagista, pode parecer um trabalho comum, mas você acaba envolvido com as pessoas, você conhece o corpo delas melhor que elas próprias, sabe quando algo está errado. E tem o toque, o toque que te põe numa sintonia com o seu cliente que a palavra cliente, o dinheiro pago, o mundo exterior, tudo parece sumir por cinqüenta minutos.

Sou massagista faz 3 anos num dos principais clubes de Belo Horizonte. Por sua localização, num bairro modelo de BH, o clube é muito bem freqüentado, apenas as pessoas mais influentes da cidade o freqüentam, sobretudo advogados e políticos. Um dia me liga um médico, muito amigo, que depois de algumas seções passou a me indicar alguns clientes dele. “Luis, esse cara ta precisando de ti, acho que se tu não der jeito ninguém mais dá” disse ele. “O cara não dorme mais, se tu fizer esse cara dormir ele te dá tudo rapaz, capricha!”

Esperei por esse cliente especial. Estava acostumado com isso, tinha as pessoas nas mãos, o dia todo, se alguém podia devolver o sono pro rapaz, esse era eu. Me sentei num banquinho de vime perto da sauna e aguardei, o cliente devia chegar a qualquer momento, tomei minhas pílulas e fumava um cigarro, vendo o entra e sai da sauna, pensando na minha mãe em casa, com Parkinson, nos meus irmãos com quem não me dava desde a morte do papai. Nove tiros, cretinos, não estavam nem aí pra nada, só queriam sugar a pensão da mamãe.

O cliente chega, não precisava nem falar, cada músculo do homem estava a quarenta e cinco graus, seu rosto estava transtornado. Me apresentei, ele nem viu, deitou de bruços. “Só me faz dormir”.

Tirei a toalha, se tinha algum músculo relaxado nele antes agora não tinha mais. Comecei pelos pés, ele mal se mexia. Subi para as pernas, devagar, ele não respirava. Conhecia aquela aflição, a respiração curta, nervosa, os pés pareciam tijolos. Fui direto pra cabeça, sem rodeios lhe puxei os cabelos da nuca, com toda a força, puxei e puxei de novo, e ele num súbito deu um inspirada profunda e urgente, como se estivesse saindo dum aquário. Eu não podia perder aquele momento e logo enfiei meus polegares nas suas nadegas, com força, no ponto onde começa o equilíbrio, ele tremia, mas tremia feito louco, e eu apertava mais forte, ele quase se debatia quando começou a chorar, chorar copiosamente, ele sangrava pelos olhos, e socava o travesseiro, e chorava. Eu apertava cada vez mais forte. Ele chorava cada vez mais forte, e ele doía, e doía, e gritou “ela não pode ir embora!! Se ela for embora eu juro que eu mato aquela...” cheguei bem perto da sua nuca e acalmava-o “calma, você tem a mim, você tem a mim..” e naquele momento senti que tínhamos uma ligação improvável, a dor dele passava por cada veia e nervo dos meus braços que implacáveis esmagavam suas nádegas e espremiam pra fora dele toda a revolta de um abandono que já não era mais nada, ele era a angustia, ele era angustia, dor, e eu estava ali, para extirpar dele aquele sentimento de impotência. Ele chorava, revoltado, completamente revoltado, e eu só podia, naquele momento, doar meu talento, doar minha força pra desfazer aquele nó, aquele trecho de morte. Por quarenta minutos apertei suas nadegas até que sua respiração se acalmou, e ele enfim dormiu. Cobri o corpo daquele homem grande e angustiado, acendi um cigarro e observei seu rosto tomando novos contornos, seu corpo se derreter sobre a maca, sua pele ganhar uma cor mais leve, seus cabelos caírem na testa, sua respiração tomar um ritmo mais humano, pois agora seus pulmões só precisariam alimentar um corpo, uma alma, e não todo o exercito do demônio que florescia em seus músculos exaustos.

Dias depois ele voltou, mais calmo, fiz meu trabalho, conversamos, ele me contou sobre a guria que teria deixado ele na lama, eu conhecia aquele sentimento bem, fiz o que me cabia, ouvi. Porém, existem horas em que é difícil ser profissional, falamos sobre o relacionamento dele, ele se abriu completamente, como se tirasse a toalha de seu coração e o deixasse à ponta dos meus dedos, assim como fez com sua pele. E por várias tardes tivemos nossos encontros, sempre tocantes, sempre intensos, cheios de cumplicidade, de carinho, de força. Depois de pouco mais de um mês ele apareceu calmo, parecia outra pessoa, estava sorridente como eu nunca vira antes, fiz a massagem, como de costume, senti seu corpo todo na ponta dos meus dedos mais uma vez e fiquei satisfeito, como ele parecia estar. Quando se vestia para sair me disse que passaria uns quinze dias na casa dos pais, no Espírito Santo. Perguntei se ele voltaria e ele com um rosto sereno me respondeu “como poderia não voltar”. Então terminou de se vestir e foi, acompanhei-o até seu carro, já estava pra fechar. Chegando no estacionamento parei no portão e fui abrindo, ele entrou no carro, engatou, foi saindo, quando chegava no portão me gritou “então é a última vez que nos vemos!”, fiquei confuso “Como assim, tu não volta em quinze dias?”, ele deu um tapinha na testa, sorriu “e não é que eu tava me esquecendo, um beijo!” e partiu.

Achei muito estranho aquilo, de dizer que não voltaria, acendi um cigarro e fui pro banquinho de vime, perto das saunas, pensava no que ele disse, pensei em como ele estava desde que chegara, estava estranho, calmo demais, feliz demais, parecia falso, seus músculos estavam frios, como se tivesse acabado de acordar, estava estranho, não gostei de tocá-lo, pela primeira vez me senti inútil, como uma máquina engrenando outra, como se alisasse um boneco, e aquela história de não te vejo mais... caralho. Já conhecia toda a história dele, era um dos mais renomados advogados da grande BH, a guria por quem chorou na primeira seção era uma ex-namorada por quem era loucamente apaixonado, mas que não queria vê-lo nem mesmo pintado de ouro, o que pra ele era inconcebível.

Fechei minha sala e saí, ainda me indagando sobre o que estava errado naquilo tudo. No caminho para o ponto de ônibus vi uma aglomeração no posto BR, do outro lado da rua perguntei pra um ambulante o que estava acontecendo, e ele disse que um cara tinha metido uma bala na boca bem ali no posto mesmo. Perguntei se era alguém do bairro, do clube, ele disse que parecia daqueles sócios ricaços do clube. Não falei mais nada, apenas me dirigi em direção à multidão, não sentia ninguém, não via ninguém, apenas andava na direção daquele que eu sabia, era dono do único e mais sufocante amor que eu jamais sentiria novamente, cheguei à beira do carro e vi sua cabeça deitada no volante, o topo de sua cabeça despedaçado e os ombros ainda brilhando por conta dos meus óleos de massagem.

Não me revoltei, não pensei em nada, apenas me virei e segui, e não toquei outras nadegas, e não ouvi mais lamentos.

Limonada Suissa II

“Trinta e sete, foda-se, vou pra rua.“
Me vesti, saí. No terminal de ônibus o telefone “não é você que gosta de Pixies?”. “É, se tem alguém que gosta sou eu.” “Você sabe de Curitiba né? Vai ter show, mas não vai ter ingresso?” Que porra é essa? Odeio gente que dá notícia picada. “Quando você chegar no bar te conto!” “Vá pro caralho!! Que que você ta falando?” “Começou a vender hoje ingresso pro Pixies em Curitiba, mas acabou em duas horas. “Vai se fuder!”
Desliguei, em uma hora tava no bar, o Alex me explicou a história toda. Com febre desde o carnaval em tinha ficado no boato de que o Pixies voltava, quando volto pra vida os caras já estão escalados pra tocar em Curitiba no mês seguinte. E com ingressos esgotados. Bebi as que cabiam na amizade, eu estava falido e o Alex querendo dar uma força. Do bar pro banco, cartão, senha, EMPRESTIMO, 140 merréis mais rico e endinheirado. Lan house, garoa, e-mail, ela, saudade, carinho, gostoso, te QUERO AQUI, suas pernas, meus seios, a pinta pulsando, parei, http://www.curitibapopfestival.com/ , 5 e 6, Teenage Fanclub 5, Pixies e Pin Ups 6, suor, euforia, olhei os 132 contos, a madrugada tava fria, final de fevereiro, chuva, a pinta, as pernas, a estrada, pulsando. Tinha uma semana pra descolar a diferença. Eu nem sabia de quanto era a diferença.
(...)


_ Aí Zé caralho, cenzão porra!!!
_ Vá te fude, ta achando que eu sou banco é?
_ Mano, sempre te descolo grana, gramas, quando que eu te neguei alguma coisa seu bosta? Vai entrar nessas de miguela agora é?
_ Não é miguelagem, é que não dá mesmo, Falou!
Filho da puta, desligou na minha cara.


(...)


_ E aí Mad, vamos pra Curitiba?
_Quando?
_ Esse final de semana mano, show do Pixies, to pilhado, ainda preciso levantar os ingressos.
_ Não vai rolar cara, tenho um amigo pra ver lá, mas agora não dá.
_Vá pro caralho que o Carregue então!!
Eu não queria, mas precisava desligar na cara de alguém pra relaxar.


Fui sozinho, fiz uma reserva no albergue e pronto, fui, com a grana do albergue, algum pra comer e 60 pilas pra tentar o ingresso. Cheguei na cidade umas 23h de sexta pra sábado, puta frio, como sempre, liguei pra guria da pinta. Chegando na rodoviária estavam lá ela, uma amiga muito engraçada e um cara também bem bacana. Comemos, bebemos, falamos sobre mil assuntos e eles me deixaram no albergue, depois de quase arrombar a porta do albergue pra entrar e depois passar meia hora pro cara encontrar minha reserva fui pro quarto. Dormi com a sensação de que seria um bom final de semana.
Acordei às 9h, pilhado, me vesti e fui na direção da rua das flores. Antes parei no shopping Estação, lan house, post no blog, café e voltei a seguir meu objetivo. Logo a guria me disse que não poderia me encontrar durante o dia, mas me deu o endereço de uma festa que ia rolar à noite. Não sofri, era até bom, porque eu precisava levantar aquele ingresso a todo custo.
Andei a cidade inteira, perguntei pra todo mundo e ninguém nem sabia do festival. Achei estranho e continuei. Num estúdio de tatuagem um cara me disse que o festival era daqui a um mês, mas que eles iam mudar o local, pra caber mais gente, pra ter mais ingressos. Não seria mais na Ópera de arame, e sim na pedreira. Fiquei satisfeito com a informação, só me senti meio tonto por ter errado o mês do show. Mas melhor assim, ao menos eu já conhecia a cidade.
Voltei pro albergue depois de andar o dia todo, logo na chegada encontro Hernandes, um uruguaio que mora em São Paulo com o pai, um alfaiate que tem uma loja na galeria do Rock faz 30 anos. Falamos sobre música, trocamos informações sobre a cidade e compramos algumas cervejas, tomamos na sala de TV do albergue. Era semana da moda em Curitiba, e o albergue estava cheio de garotinhas, 15, 16 anos, magras e com cara de fome, umas graças.
Ficamos ali bebendo e vendo as pequenas passarem, pelas 22h ele foi pro 92º, a casa alternativa mais conhecida da cidade. Em seguida chegou minha carona, a Morgana e minha gata de carnaval. Fomos pra festa, no norte da cidade, num bairro bacana, cheio de praças, avenidas largas, e uma balada cheia e quente. Eu já estava alucinado, cidade nova, pessoas novas, lugares novos, cerveja barata, uma gata quente e uma festa louca. Eu suava,dançava, falava, conheci dúzias de pessoas, corria pelo bar, de um lado pra outro, até cansar, e cansei, de uma hora pra outra. Dei tchau pra gata e fui andando pro albergue, atravessei a cidade de novo. As luzes da cidade, amarelas, viajando na fumaça louca, no silencio sinto essa fumaça me lavar o rosto, vivendo essa lucidez tão louco, contemplando a noite, a cidade, as pessoas, pensando no show, na guria, no mundão sambado que tava aí de pernas abertas. Cheguei no albergue e encontrei o Hernandes, mais alguns caras, cariocas, paulistas, um mineiro, um argentino, duas guriazinhas de Floripa, daquelas magrelas da semana de moda, peguei uma cerveja, um fumo, o assunto e assim ficamos até quase amanhecer.
Acordei quebrado, no albergue não tinha ninguém. Me vesti e corri pro mercado municipal, depois cerveja e X-tudo no centrão, então encontro a minha guria no shopping estação, ela parecia seria, um pouco triste de repente.
_Que que há?
_Nada, é que vou ter que ir embora daqui a pouco.
_Como assim, você acabou de chegar.
_É, mas vou ter que ir.
_Porra, vim de São Paulo e a gente mal ficou junto, pra onde tu vai?
_Vou ter que sair com a minha mãe, temos umas paradas pra comprar aí.
_Então tu vai pra casa?
_É _ Disse ela encabulada.
_Vou contigo então, já conheço o centro, quero saber onde tu mora.
_Mas, é que...
_Relaxa, não entro, vou só até a entrada, quero dar uma volta.
_Tá bom... Quer beber alguma coisa?
_Sei lá, deixa eu ver... O que que é Limonada Suissa?
_É tipo uma limonada normal, só que mais doce.
_ Mais doce como?
_ Sei lá, acho que é com leite condensado no lugar do açúcar.
_ Legal, vou dessa.
_Eu também.

Indo pra casa dela pegamos um ônibus, depois outro, e outro, não conversávamos muito, ela não parecia muito satisfeita. Na verdade eu também não estava. Entramos numa grande avenida, uma linha reta enorme, o céu estava cinza azulado, garoava, como sempre em Curitiba, o ônibus subia e descia por aquela avenida árida e irritantemente reta, ela devia ir até Londrina ou coisa parecida. Depois de um tempo descemos, tinha um supermercado com um prédio fincado no meio, entramos no prédio, um grande lobby, alguns vizinhos, boa tardes, um sofá, nos sentamos, conversamos sobre o que seria daquilo, um futuro, sei lá, sem resoluções, não parecia importante àquela hora, o vento era frio e cortava a pele, tiramos algumas fotos, demos risadas, ela subiu, eu tomei o rumo de volta. No caminho pensava em praonde ir, o que fazer daquilo tudo, eu estava a seiscentos quilômetros de casa, e tinha feito o que podia, agora tinha outro encontro marcado pra dali a um mês, quando aí sim, veria os Pixies.
Chegando de volta no albergue e lá estavam os mesmos caras, eu ainda tinha doze reais e a minha passagem. Fizemos um catado e compramos vodka, cerveja, mistura pra vodka, e fomos pro albergue, às pequenas passavam mas não se animavam a nos acompanhar, até umas nove da noite. Minha passagem era das onze e cinqüenta. Aos poucos o refeitório foi se enchendo, as pessoas foram se animando, as gurias estavam a toda, Carolina, uma gracinha de 15 anos e camiseta do nirvana era a que mais se soltava, era arrogantezinha, inteligente, bonita, com grandes olhos azuis e pernas longas e finas. A irmã estava puta da vida, corria feito louca dali pro quarto e pro lobby, reclamava, a gente só ria, Hernandes só queria encher a cara pra esquecer do frio, olhei no relógio e eram duas da matina, foda-se a passagem. Fomos de uma garrafa a outra e a mesa estava melada de refrigerante, frutas e açúcar, eu estava como gostava, rindo e ouvindo estórias mil, a magrela de repente me pega pelo colarinho e declama uma poesia, disse que ela mesma escreveu, era boa, angustiada, doída, bem 15 anos. Me derreti, me entreguei, o futuro e a tarde eram uma viagem paralela àquelas horas. Afinal de contas, eu estava na cidade mais fria da federação, com uma guria de pele fria, em cima de um balcão sujo de vodka e com a impressão de que tinha passado um ótimo final de semana na estrada.
Ouvindo:
Pixies: Broken face, something against you, isla de encanta, bone machine.

segunda-feira, março 10, 2008

Limonada Suissa - Parte I

Eu tava puto da vida, passar carnaval em São Paulo é sempre uma merda, sempre. Não tinha nada pra fazer, não sabia o que fazer, daí decidi ir pra Augusta, onde mais, se tinha sobrado alguma vida em SP era lá. Coloquei a pior roupa que eu tinha e fui, tava na lama, então me sobrava abraçar a bosta. Na primeira esquina um desesperado me pede uma grana, diz que tem mulher e filha com fome na próxima esquina, tremia e chorava feito louco, eu na hora, na hora soltei quatro contos, na hora, o cara saiu todo tremendo, mas parecia meio satisfeito. Fiquei também, por cerca de 4 segundos, depois pensei na pedra que ele fumaria, e donde, se é que tal puta e a filha eram verdade, ele as esqueceria. Fiquei puto sem evidencias, no próximo filho duma puta pedinte dei um murro na cara, antes mesmo d’ele terminar o discurso, filho da puta, caiu e desmaiou como nenhum pai de família seria capaz, nem suspirou, nóia filhodaputa. Já estava louco da vida, andava aos pulos, rangia os dentes, chutava cada pedra solta do chão, balançava os braços procurando assunto em qualquer coisa, e nem tinha encontrado o Mad ainda, esse era um colega de trabalho que duas horas antes eu tinha descoberto que estava na cidade, já era melhor que ficar em casa. Encontrei com ele no BH, quando este ainda era um bar de respeito, cheio de junkies e putas, e com a cerveja a um preço honesto.

Tomamos algumas, uns conhaques e umas São Francisco, como era costume meu àquele tempo. Ele não tinha costumes ainda, mal sabia que era bicha e não conhecia a noite, absolutamente. Tomamos aquelas e fomos pra Aloca, o melhor lugar pra se ir num sábado de carnaval. Como eu não esperava nada que prestasse daquela noite acabei escolhendo o lugar com mais chances de encher. Além do mais, ia com a cara do Mad, ele era engraçado, e eu ainda não tinha o visto pegando ninguém, o que me parecia que ele precisava, ele era muito tenso. Era também obscenamente alto, e devia ser o maior temor de qualquer bicha iniciante, então, se alguém o pegasse teria que estar preparado, pois um negro de mais de dois metros não é todo dia que se introduz.

Chegamos na Lôca, nada de novo, uma fila razoável, formada quase que exclusivamente de caras magros e drogados.

Entramos e fui mostrar pra ele o lugar, no terceiro passo dentro daquele lugar eu já tinha uma goteira de suor se formando no queixo, estava tudo na mesma, a caverna estava cheia e as pessoas com olhares lascivos e com mãos sobrando pra tudo que é lado. Peguei um Gim e soltei o Mad na mão do Digão, um cara forte e cabeludo com quem tinha trabalhado e que apresentaria o Mad a quem ele quisesse. Fui alucinado pra pista, não agüentava mais suar parado. O Pomba tava lá em cima e não parava de mandar som bom, era um depois do outro e eu subia nas caixas de som, me pendurava no parapeito do palco, alucinado pensando no mau negócio que eu tinha feito em escolher viver em São Paulo por mais cinco anos, e de vez em quando olhava em volta e já achava que aquilo era ótimo e que cinco anos seria pouco, eu tava alucinado, peguei outro GT e fui no banheiro, que tava lotado, mais cheio q a pista até. Uns querendo mijar, outros dar um tiro ou uma foda, aquilo tava infernal, e eu tava adorando tudo.

Cruzei com uma branquela de cabelos pretos curtos sensacional, falei qualquer coisa e ela só agradeceu, desisti da mijada, corri atrás do Mad, queria contar qualquer coisa idiota e arrastar ele pra pista, cruzei com uma louca jogada no chão, ninguém nem a notava, lembrei do mendigo com a pedra que eu financiei, e no outro do murro, minha mão tava latejando ainda, peguei a morta e levei pruma parte mais aberta, soltei no chão, dei água, abanei, nada, quando acordou queria saber dos amigos, não tinha visto nem sinal, do nada aparecem uns cinco, a branquela junto. Dei um sermão de leve nos safados e voltei pra pista, o Mad tava se atracando num baixinho e fiquei satisfeito, ele tava bem, eu tava bem, a bêbada tava melhor que antes, agora eu podia pecar um pouco. Subi numa caixa de som fechei os olhos e dancei como se estivesse sozinho no banho ou algo que o valha, quando abri os olhos e olhei pra baixo lá estava a gata do cabelo curtinho. Ela era mesmo gata, seios lindos, uma boca enorme, ela agradeceu por eu cuidar da amiga dela, daí falamos de alguns assuntos paralelos, aqueles das duas da manhã, rápidos, só pra saber que não se está tratando com alguém capaz de matar por coca. Logo estávamos no banheiro, retocando o pó e compartilhando óleos naturais. Não achava que seria capaz de suar mais, mas consegui.

Saí brilhando, satisfeito, com a festa, com o carnaval, com São Paulo, sabia que agora tinha um motivo pra conhecer Curitiba, só não sabia que não seria o único motivo.

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Coragem da ONU

Não é uma defesa ao terrorismo, na verdade acho q eles deviam é viver em paz, mas que o cara tá certo, na minha opinião, ele tá.

Relator da ONU justifica terrorismo por parte de palestinos e abre polêmica

MARCELO NINIODE GENEBRA

Um relatório preparado por um investigador das Nações Unidas afirma que o terrorismo palestino é "conseqüência inevitável" da ocupação israelense e pode ser comparado à resistência ao nazismo e à luta contra o apartheid, o antigo regime de segregação racial da África do Sul. A comparação enfureceu a diplomacia israelense, que considerou o documento uma espécie de luz verde da organização ao terror.

O documento preparado por John Dugard, investigador independente da ONU para o conflito entre Israel e os palestinos, será apresentado no dia 17 de março no Conselho de Direitos Humanos da organização. Em um de seus trechos mais polêmicos, Dugard diz que é preciso lembrar o "contexto histórico" ao analisar a violência palestina."A história está repleta de exemplos de ocupações militares às quais se resistiu com violência, atos de terror. A ocupação alemã foi resistida por muitos países europeus durante a Segunda Guerra", exemplifica, sem distinguir ações contra militares das que atingem civis.

Dugard, um advogado sul-africano que se engajou na luta contra o apartheid nos anos 80, também separa o terrorismo em categorias, fazendo distinção entre atos como o 11 de Setembro e os atentados palestinos. "O senso comum manda que uma distinção seja feita entre atos de terror indiscriminado, como os da Al Qaeda, e os cometidos em uma guerra de libertação nacional", diz ele.

O embaixador de Israel em Genebra, Yitzhak Levanon, considerou ultrajante a insinuação de que a ocupação dos territórios palestinos tem o mesmo peso do nazismo, responsável pelo extermínio de seis milhões de judeus. Para Levanon, o relatório demonstra ignorância e insensibilidade ao relativizar o terror. "Durgan diz que a Al Qaeda é criminosa, mas que o terror palestino é resistência. Mas não diz que os dois têm o mesmo objetivo: matar civis inocentes."

Para Dugard, a ocupação dos territórios palestinos, que em 2007 completou 40 anos, torna o terror compreensível. Ainda que os atos terroristas palestinos devam ser condenados, diz, "eles precisam ser entendidos como uma conseqüência dolorosa, mas inevitável, do colonialismo, do apartheid ou da ocupação".

Hillel Neuer, diretor da ONG UN Watch, que monitora os trabalhos da ONU, disse que as afirmações de Durgan dão legitimidade ao terror. "As afirmações estão entre as mais chocantes já pronunciadas por um representante da ONU", diz. "A organização já justificou o terror palestino implicitamente, mas nunca de maneira tão clara como Dugard."

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Otimista x Pessimista

Outro dia ouvi que “o otimista é um pessimista desinformado”, vi na sentença uma verdade triste, me pareceu claro como eu não queria que fosse que isso é mesmo verdade. Com isso constatei também que sou desinformado, ou no mínimo avesso às más notícias.


Esses dias me disseram que não sou otimista, mas sou romântico, o que pra pessoa faz toda a diferença. Nunca pensei a sério sobre as diferenças, mas sei que costumo me enganar, e muito, com as pessoas. Tenho fé nas boas intenções, mesmo quando sei que elas não devem ser esperadas. Por quê? Não sei, só gosto disso, gosto de achar que as pessoas são boas e que os resultados sempre serão os melhores possíveis para a maioria.


Costumo guardar meu pessimismo para as minhas próprias atitudes, e talvez até por isso tenho ficado tanto tempo sem escrever. Esses intervalos cada vez maiores me trazem pra dentro de mim e quando fico muito tempo aqui acabo amargando, guardando maçãs podres e me distanciando de quem eu sou mesmo, de quem escreveu Epidemia da esquizofrenia 7 anos antes de trabalhar numa biblioteca especializada em neurociências, aquele moleque que era teimoso e que acreditava em si assim como acreditava nas coisas mais bobas, só porque não tinha recebido provas suficientes para não acreditar. Agora vejo que acredito muito menos, o ambiente se tornou mais hostil e a resposta mesmo que não imediata teve que vir, gradativamente até que cheguei ao que sou agora, mas quem é esse? Tenho um amigo que mesmo sendo sonhador como eu, sempre foi cético, com relação às pessoas e a dele inclusa. Eu achava absurda a quantidade de entraves que ele conseguia ver entre ele e seus objetivos, sempre incentivei ele a ir adiante e subjugar as adversidades, os inimigos, e ele o estão fazendo, passo-a-passo, e eu admiro esta luta, diária, maçante, mas as vezes noto que eu não estou passando por cima dos meus problemas, dos meus monstros, e percebo que o que faz a gente lutar não são os exemplos, os conselhos, é o sangue nas veias, é a certeza de que o tempo não vai voltar e que se você não for pra frente acaba afundando.

De que importa ser otimista, romântico, o que vai te fazer é você.

As leis do universo e o caralho não são nada. Corre atrás do teu.


Ouvindo:

Archers of loaf - White trash heroes, you and me, Wrong

sábado, janeiro 12, 2008

Uma noite e nada mais.

Existem contendas nas quais não se entra, você simplesmente não entra nelas porque o resultado é certo, ou não é desejado, seja ele qual for. Algumas noites como esta são duras, você lembra de coisas que não deve, a solidão e a próxima música vão te empurrando para partes de você que são pouco conhecidas, pouco exploradas, e é fatal, é como um abismo, você tem que pular. Não sou acostumado a perder, pelo menos não quando luto com alguma gana, segundo a minha irmã eu tenho toda a sorte que uma pessoa poderia desejar, sobre isso só sei que não tem a ver com a minha data de nascimento, senão trinta minutos poderiam ter sido fatais quanto a isso.

Acho que é mais uma questão de escolhas, eu faço as minhas apoiado em muitos pilares, quando existe tempo pra isso, existem horas em que você tem simplesmente que pular, entrar ou correr, e é nessas horas que eu acabo encontrando o chão, a parede, as pedras ou palavras mais duras que o de costume, e essas costumam ser bem mais doídas que as pedras.

Noites como esta são sempre assim, apesar de hoje eu não ter o habitual vinho à mão e sim uma coca-cola sem gás, morna, e um ventilador, no lugar do aquecedor que me acompanhou nos meus primeiros meses nesta humilde e bagunçada morada. Vejo na cozinha a louça se acumulando, aqueles mosquitinhos de banana, sabe, aqueles minúsculos? Ela está cheia deles, me intriga o porque de eles não saírem da cozinha, já que tem sangue e cerveja pelo chão da casa toda. Deve ser uma questão de segurança, já que eu quase não tenho entrado lá, uma boa escolha a deles, creio eu.


Penso e rio de várias que tenho ouvido por esses dias, como o sonho de um amigo de cruzar a “BR-66” de moto, um cara de personalidade com certeza, pois a viagem deve ser duríssima. Estou numa época em que as pessoas que me rodeiam pouquíssimo ou nada me incomodam, os amigos mesmo eu já saquei quem são, as situações se debruçam umas sobre as outras e a gente cai e cai, e as mãos, algumas mãos estão sempre ali pra uma cerveja, pra olhar o mar, pra ver as faixas na estrada virarem lendas, virarem histórias, mentirinhas pra contar no próximo bar, na próxima cerveja.


E a noite continua trazendo consigo mais memórias abotoadas em músicas da Pitty, do Sublime, do RHCP, do Cure, memórias de outras noites mais agitadas, de outras escolhas mais difíceis do que a palavra que vai segurar a sintaxe em cima, o copo que não tem vestígios de vodka, o creme pra dor, o comprimido pra inflamação, a música que vai inspirar ou a que vai relaxar, essas noites são muito fáceis, pois um andar nem machuca.

Aprendendo a escrever.

Um dia desses uma jovem amiga me pediu para ensinar-lhe a escrever contos, não foi a primeira vez que me pedem isso mas acho que é a primeira vez que o pedido era pra valer, e não uma forma sutil de me tirar as calças.

Nem mesmo respondi ao pedido por achar algo inusitado, sem sentido mesmo, como vou ensinar alguém a contar uma história? Você simplesmente imagina ou lembra da história e a escreve, fácil assim. Além do mais, nos últimos tempos ando tão fora de forma que qualquer conselho poderia atrapalhar mais do que ajudar. Pensei em dar pra ela aqueles guias de redação da Folha, que eu acho bem interessante pra quem está começando, mas acho que é meio técnico demais pra alguém de 12 anos, por isso tentei me Lembrar de como comecei, e aliado a isso, entender porque estou tão parado nos últimos anos.

Essa escavação me levou até os meus 12 anos, quando eu morava em Interlagos e ficava recitando poemas freestile pra Lua antes de dormir. Tudo começou pra mim na poesia, apesar de hoje eu apreciar bem menos. Eu ficava sentado na laje da lavanderia sozinho, olhando a Lua, as estrelas e o transito da avenida Interlagos e ficava lá, declamando poemas de amor e de aventura já que na época a aventura se fazia presente em cada nova esquina que eu virava, e o amor era também uma aventura, por sua novidade e pela intensidade de emoções que este me proporcionava, era como uma caixa de bombons, e eu sempre fui um guloso, sempre apaixonado, fascinado com aquela coisa nova e gigante que nascia no meu peito depois de receber um sorriso carinhoso ou de aquela vizinha soprar o arranhão no meu joelho.

Depois de alguns meses eu me mudei, e a laje ficava bem na janela do meu irmão mais velho. As paixões de verão continuaram, se acentuaram, os beijos franceses vieram e com eles novas sensações, mais físicas, mas inebriantes, mas a laje não era mais minha e as estrelas me chamavam de volta sem sucesso, pois a minha vida começou pelos 13 ou 14 anos a ficar mais noturna, e já não dava mais para admirá-las quieto, sozinho.

Com essa vida mais agitada descobri o papel e a caneta, amigos que me acompanham até hoje, pra quando quero viajar pra longe da guria que preferiu o cara do fim da rua ou pra aplicar o que eu aprendi na aula de história e nos filmes do cinema em grandes épicos de ficção científica. Mas faltava alguma coisa, faltava realismo, não sei porque mas minhas narrações não tinham muita vida, eu era um patinho feio na rua, e no meu caderno eu era o rei de um castelo de papelão e a minha princesa era um Picasso pontiagudo e sem perspectivas. E foi aí que eu conheci um grande amor, com toda a dramaticidade de uma história das boas, família que não pode saber, monstros que tentavam nos separar, amores antigos, demônios que tentavam me tirar do meu caminho, intrigas, incompatibilidades (e eu não sabia que elas sempre existiriam), enfim, um romance cheio.

Em decorrência desse amor e de episódios outros da vida aprendi aos poucos a mentir, verbalmente não sei até hoje, pode-se perguntar a qualquer um que me conheça, sou um fracasso nisso, mas aprendi a criar histórias lógicas como um jogo de Sudoku, e este era o desafio, mentir sem deixar brexas, de forma que ninguém pudesse suspeitar de nada, até porque na hora de verbalizar eu gaguejaria, ficaria me coçando, olhando pro alto e isso tudo devia ser neutralizado com uma história acima de qualquer suspeita.

Com o tempo as histórias foram ganhando em complexidade e quando me encontrava com o papel ele acabava experimentando passo-a-passo dessa evolução.

As mentiras fora do papel acabaram com a relação que eu tinha, mataram o amor aos poucos e acabaram m deixando só. Quis parar de mentir, dentro e fora do papel, lutei por isso por muito tempo, mas só o papel sabe que eu já não podia vencer aquilo, e ele agradecia pois me enterrei nele até o pescoço, e com o tempo o amor voltou a bater na minha porta, mas eu já era experimentado, não deixaria mais as coisas ficarem como da outra vez, e me precavi, me precavi pra valer, mesmo o papel ficou de lado pra que eu pudesse me concentrar na não-mentira, pra que eu pudesse experimentar daquela primeira felicidade novamente. Não existe suspense algum nessa história, perdi, a volúpia e a mentira se uniram em me derrubar, e caí, de quatro, ou como dizia o Nelson Rodrigues “de gatinhas”, termo que aqui ganha um cruel duplo sentido.
Sínico pensar que o primeiro show de rock que eu fui teve a apresentação de um cara que tinha como o seu maior sucesso a música “Liar”, que eu não conhecia aos meus 7 anos, época da apresentação, mas que viria a ser o hino da minha derrota, da minha derrota pra mim mesmo e para os meus instintos mais perversos.

Com o tempo aprendi a moderar meus instintos, junto com os maus também os bons hoje são bem mais sutis, o amor já não arrebata e contorce as tripas como antigamente, a libido foi parar na terceira gaveta, a mentira e a perversidade são hoje utilizadas de forma muito mais defensiva, já não se fazem necessárias a todo o tempo pois a criatividade parece agora engessada, entalada como o meu dedo anelar, inutilizável.

Quando encontrei minha morada atual, definitivamente sozinho, procurei a lua logo nas primeiras noites, antes do computador chegar, encontrei-a pálida, sem a saudade e sem o carinho de antes, me descobri menos lírico do que nunca, engessado pro uma métrica massacrante, procurei o amor e ele era ordinário demais pra ocupar mais do que duas páginas, procurei a aventura mas estava cansado demais mesmo para atravessar a rua, procurei o papel e vi pouca luz, um vinho fraco, o tapete sujo e idéias desconexas e sem sal, me descobri um chato, como não achava que poderia ser mas que no fundo sempre fui, talvez não chato para os outros, pois esta mentira não deixou de funcionar, mas chato pra mim, porque de tanto que me protegi acabei sozinho de mim, e quando vou escrever no blog fico me vigiando para não magoar um aqui, outra ali, pra não chocar a família ou pra não ser processado por qualquer desocupado, preocupações essas que me murcharam ainda mais e que me deixam longe dos cadernos, o que minha pequena amiga, se você quer mesmo escrever, é o suicídio mais eficaz que existe.

Ouvindo:

Henri Rolings – Liar