quarta-feira, setembro 15, 2010

Live in Rio

Já era uma da manhã quando resolvi “vou tomar um banho e vou”. Devia ter ido 28 horas antes ao menos, não dava pra adiar mais, precisava chegar ao Rio.

Uma ducha rápida e é hora de contar as baixas, o calcanhar inchado, um pêlo encravado que prometia delírios inimagináveis de dor, a dor nas costas de sempre e o torpor de quase dois dias de cativeiro. Mas essa era uma missão de exploração urbana, já que a meteorologia prometia um final de semana paulistano úmido na terra do Sol, era claro o que me esperava, e eu estava ansioso a conhecer as noites escuras da cidade mãe do pecado, da samba, do Nelson, do Tom, das curvas, da malandragem e de introduções intermináveis que nunca serão suficientes para descrever a cidade mais linda do mundo, pelo que o pessoal de lá fala.

Largo do Glicério, avenida do Estado, Tietê. Um “até já” com gosto de “não vai!”, as unhas rasgam a pele e as bocas se fundem, os corpos vibram até o bater da porta “P’la!” ... corre, passagem, mensagem, corrida... na rodoviária vazia e fria cada passo é um grito... “já volto caralho!”.. São Paulo é uma garota temperamental, o negócio e virar-se e correr antes que ela te passe uma rasteira.

Antes de entrar na Dutra eu já dormia, minhas pernas estavam fracas, meu peito queria pular pra fora... essa era uma missão das mais esperadas dos últimos tempos, dar uma revista no Rio e tentar entender porque é lá que o as coisas acontecem.

Chego na rodoviária as 10h07, atordoado, tinha dormido a viagem toda e não esperava uma manhã tão clara e quente à minha frente, fazia 34° C e eu estava numa ressaca de tudo, um gosto de guarda-chuva impossível ignorar, saí na rua e uma horda de taxistas me encurralaram, era hora de ficar atento, escolhi um e fui, o cara parecia sobrio e tinha um Santana, mais velho que eu, mas parecia confortável, combinamos quinze reais, ele tentou ligar e nada, sem gasolina. Saí e antes que pudesse ver se encontrava um ônibus já fui pego por outro taxista, esse sim sóbrio, com um palito de dente na boca... “puta merrrda, vamu lá” pensei, perguntei “quinze reais?” ele “isso aí”, pouca conversa no caminho, o botafogo era perto, caminho tranqüilo, fomos por dentro então nada de ver mar, chegamos no Botafogo, ele vira e manda, sem nem disfarçar “então, são quinze por quilômetro, foram 8 então isso dá 120 paus!” ... “cheguei” pensei alto, saquei vinte, sai do carro, peguei minha mala enquanto ele falava sem parar, ainda estava bem sonolento mas não dava pra começar o dia assim, ele continuava gritando “tu ta na zona sul cumpadi, aqui é assim”! Peguei os vinte da mão dele, joguei cinco de volta chutei a porta e falei “zona sul é assim cuzão!” me virei e fui andando, pensando numa rota de fuga no caso de ouvir um gatilho, mas nada, antes de eu cruzar a esquina ele já tinha sumido... talvez o Rio tenha perdido um pouco da malandragem, ou meu treinamento pelas ruas do Socorro foram bem sucedidos, mas aquilo estava muito estranho aínda.

Chegando na casa da Jane entendi o porque de ter saído tão fácil daquela, tava com a cara toda retorcida, como se tivesse dormido numa caixa de abridor de latas. Lavei o rosto e fui buscar uma cerveja gelada, um céu, um mar, uma vida.

A cerveja nem tão gelada desceu boa, mas ainda não era aquilo, tinha que encontrar as irmãs metralha em Copa, para uma missão no centro. Encontrei com elas no posto 5, elas estavam junto com o Márcio e o Marciano, mas isso tudo duraria uma semana inteira pra contar, o que valeria a pena mesmo, mas acho que peguei o vírus, vírus do sossego, do arredondamento, da voltas, das curvas, as coisas no Rio não são exatas, tudo é Jammiado, o funk e o samba estão nas pessoas, nas ruas, o café tá na cabeça e o chope nos quadris o dia todo.

Logo chega a noite, a lua cheia ilumina a marina da Glória, o aterro, lá longe vejo os aviões descendo no Tom Jobim e as luzes brilham na Lapa e em Niterói, era hora de cutucar as calçadas com meu sapato bicolor, calça de linho e sem flagrante no bolso... Logo chego em Copa, Tip Top, samba de roda e cerveja barata, tô em casa já, vou encontrar o nego veio, ele tava todo preocupado com sei lá o que, pra variar, mas estava numa boa, cerveja e tempo ameno em Copa eram como antídotos para qualquer problema, mesmo pra ele, pelo menos até a madrugada se aproximar e trazer o Marcelo, um típico carioca, bermuda, tênis sem meias, um sorriso enorme e simpatia pra gastar sem miséria. Logo a conversa anima e escorregamos pra praia pra uma vida, na Lapa a multidão é inclassificável, hippies, flamenguistas magrelos, vascaínos jiujiteiros, funkeiras e gringos se misturam numa numa dança de tipos, cheiros e sotaques que só seriam possíveis ali, naquele calor. Encontramos um pessoal, uma loura grandona que chegou de Israel e não sabia bem o que fazer com as viabilidades disponíveis naquela noite, ele estava uma pilha, assim como os caras da Gávea que vieram com ela e não paravam de mamar cervejas, uma atrás da outra. Alguém falou do bar Bukowski, de volta ao ponto de partida, no Botafogo. Chegando lá uma fila impossível, casa cheia, como eu já ouvira falar antes, no Rio quando um lugar cai na boca do povo é isso. Imaginava um pub às moscas com meia dúzia de fracassados mas no Rio o que não falta são vagabundos, o negócio era aproveitar as cervejas baratas da rua e a noite quente, quando entrei já não tinha mais o que fazer além de arranjar uma briga ou descolar um canto quieto onde eu pudesse fumar um cigarro antes de cair no sono ao som de Bela Lugosi’s dead. Não foi exatamente uma decepção, claro que não seria um pub amaldiçoado de beira de estrada, e até que o lugar tinha algum estilo, peguei uma cerveja e fui farejar o lugar. O Rio tem essa coisa estranha de as pessoas todas parecerem as maiores malas sem alça do mundo até você conhecê-las e elas te abrirem os braços, a casa, as pernas e o que mais você quiser, mas minha cabeça estava querendo explodir e eu não tinha muita coisa pra dizer por ali, no Rio eu não sou ninguém e o jeito era aproveitar o lado bom nisso, peguei uma cadeira e coloquei no meio do quintal, acendi um pigas e fiquei vendo as pessoas passarem e falarem feito carros na Rebouças. Talvez eu não seja mais o mesmo...



“Caralho merrrmão!!! Já vai se entregarr!!” berrou o nego véio na minha orelha antes de chutar minha cadeira e me trazer um refil da holandesa verde. Pois é, com o Mano na seleção eu não podia mais fazer corpo mole e depois de um gorfo na calçada ainda cheia de saltos e papetes voamos pra Ipanema, já com algumas baixas, como a lorona que tava se atracando com um jacaré bem em cima do meu vômito. No caminho pro Empório passamos na praia onde perguntei pra Jah “porque não levo outra vida?”, ele me respondeu com o melhor mato da cidade entrando pelos meus pulmões e lubrificando minhas juntas pra que eu pudesse voltar pras cervejas baratas na rua, fazer o que o destino me impingiu, pelo menos até aparecer coisa melhor. É Hank, você não mudou nada.

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