terça-feira, junho 09, 2009

Brand new clothes - Parte II

Duas vodkas depois e ela chegou, parecia bem disposta, bem cuidada, usava um vestido florido e uma sandália, sem maquiagem como de costume. Chegou meio pulando, se grudou no meu pescoço e me beijou o rosto, parecia uma menina.

– Acho que não preciso perguntar se você está bem né?

– Não precisa mesmo queridão, estou ótima!

– O que que houve, ta apaixonada?

– Essa é a notícia velha, a nova é que eu me casei! – Disse ela com o mesmo sorrisão na cara.

– Que beleza hein Jessy! – Falei sem nem pensar, ainda meio em choque. – Mas como foi isso? Quando foi isso?

E ela contou sobre o marido incrível que ela arrumou, um cara um pouco mais velho, trabalha com aviação mas ela não soube bem explicar no que, estavam casados a três semanas e ele tinha viajado a negócios, primeira viagem. Ela estava realmente radiante, falava das coisas que eles faziam juntos como rapel e aula de tango, tudo ótimo. Eu fiquei feliz por ela, de verdade, gosto de saber que ainda tem caras legais por aí e não só os cafas como eu. Ela perguntou como as coisas iam pra mim, falei do lance do bicha da fábrica de roupas e tudo mais, falei meio não querendo falar, me senti meio nada ali, ela cheia das novidades e eu afundado na lama, parecia que tudo que eu fizesse seria meio besta perto daquele conto de fadas que ela estava vivendo. Antes de começar a ficar amargo encerrei a conversa, ela não entendeu muito o que estava acontecendo mas também não se abalou por isso. Nos despedimos, fui embora.

No caminho pra casa fiquei pensando no tempo perdido, nas coisas perdidas, nas paradas que eu já aprontei por ai, a Jessica era uma gata bacana, merecia alguma coisa bem boa depois do que aconteceu entre a gente, mesmo que ela sempre diga que foi tudo legal e que eu não devia me preocupar tanto. Eu não devia me preocupar tanto...

Voltei pela Ibirapuera e toquei o interfone da Jessica.

– Gata! Tem como eu fazer uma ligação aí?

– Claro Jota, sobre aí.

Tá aí um negócio engraçado sobre as mulheres, a gente nunca sabe bem o que elas querem dizer, por mais descritivas e didáticas e detalhistas que elas sejam é impossível saber o que elas realmente querem.

– É rapidinho gata, mas é internacional, outra hora te pago!

– Relaxa Jota, eu sei que não paga! Hahaha! O telefone fica ali.

(...)

– Tá chorando porque gata?

– Não me chama de gata seu filho da puta! – Grunhia enquanto me batia

– Ok, mas porque isso agora?

– Você disse que só queria telefonar seu merda! – Disse ainda me socando!

– É, eu sei, mas vai dizer que não foi bom?

– Você quer mais alguma coisa de mim? Se quer fala logo e some daqui! Não quero te ver nunca mais na minha vida! – Esbravejava Jessica nua na cama, se derretendo em lágrimas.

– Calma Jessy, ele nunca vai saber.

– O problema não é ele saber, eu sei! Eu sei! Eu sei o que você me fez fazer!

– Posso tomar um banho, é que eu to sem água em casa.

– Some da minha frente agora!!!! – E jogou um sapato na porta.

Me restava sumir, fui para o elevador fechando a camisa, como nos velhos tempos. “Espero que eles não conheçam o marido dela” pensei ao ver o casal que estava no elevador. “Prédio bacana esse né?” falei tentando descontrair, mas eles não gostaram muito da minha imagem, acho que foi por conta do cheiro de sexo, do cheiro de sujo ou das roupas meio abertas ainda, não entendi direito aquelas bacanas.

Cheguei na rua e começou a chover de novo, fui caminhando pra casa na chuva pensando no que tinha acontecido agora. Não entendo nenhuma mulher. Uma hora ou outra elas te pedem opiniões, te pedem afeto, te oferecem carinho, uma olhada daquelas que dá até vergonha porque parece que ela ta vendo que no fundo do seu cérebro que você a deseja e sabendo disso ela vai até o fim. É tudo translucido, mas depois aquilo de uma hora pra outra vira pecado, algo de que se ter vergonha, pudor. Vai entender né.

Fui o caminho todo até em casa pensando nisso, em como eu conseguia o que eu queria mas como isso nunca era o que os outros queriam, era estranho ter essas tretas depois do sexo, ou depois de um jantar em família. Na escola diziam que eu tinha uma abordagem muito dura, que eu era muito impulsivo e que não controlava os meus ímpetos. Achei que era baboseira do diretor depois de eu ter jogado uma lâmpada flourescente num gordão que roubou meu lanche, ou talvez isso seja mesmo eu, um cara que não sabe parar... o jeito é continuar.

Cheguei em casa finalmente. A chuva veio a calhar, agora eu podia me lavar com a roupa molhada e ir comprar uma roupa pela manhã. Seria bom ter um terno, os que eu escambei por ai não devem estar mais usáveis, se é que não viraram mistura de padê. Era madrugada já e as moscas não me deixavam dormir, além do mais, a conversa com o Hector no telefone foi bastante animadora agora que ele e o Pedro abriram uma firma e vendem bagulho em latas de milho pros gringos. Era como um milagre aqueles cabrones estarem se profissionalizando, e eu tinha que entrar naquele barco. Ficava pensando no que diria pro bixa, em como faria a parada toda, mas aquele cheiro de merda velha não me deixava pensar direito e eu me taquei num bar pra esperar os ônibus começarem a rodar de novo.

O único bar 24/7 da região era também o pior, o pior pra mim já que era cheio de filhos da puta que eu detestava. Tinha o Toninho da Mineira, um taxista que rodava com uma 22mm no bolso, uma vez venci ele no truco na limpeza e o filho da puta puxou o berro pra mim, não me pagou e fica me olhando torto toda vez que eu chego, detesto hombridade, acho o termo e o procedimento cretinos, ainda mais quando no lugar de bolas o cretino vem montado. O Julio era o imbecil do filho do dono do bar, se achava o tal com aquela toalhinha podre no ombro e quando veio dar de macho pro meu lado foi com uma barra de ferro, tudo por causa de dois copos quebrados em sequencia às sete da manhã, e eu tava pagando direitinho no dia, cuzão.

Arrumei um banco no canto do balcão, na hora tanto fazia o lugar, eu só queria tomar algo gelado logo, pra dar a ignição nas idéias e começar a volta por cima com um plano mais ou menos traçado. Chegou uma cerveja e eu matei o primeiro copo de prima, eu tinha primeiro que tirar aquela inhaca de merda das papilas. Fiz um bochecho e tava novo, fui no banheiro lavar o rosto... acho que aquela imundice de casa estava me deixando com toque, me lavava o rosto a cada oportunidade, como se dependesse daquilo pra viver tanto quanto respirar.

No caminho pro banheiro avistei o Imperador, com uma capa e um louro atrás da orelha, tão típico dele, um cara lírico, que tinha sempre uma meia dúzia em volta esperando por um proclame dele. Genial.

Voltei do banheiro com a camisa aberta, secando o rosto e fui reverenciar o Imperador, antes de chegar à mesa ele me olha com as pupilas do tamanho de olhos e os olhos do tamanho de bochechas, porém aquilo nem soava estranho, ele olha em volta e num lance de sombrancelhas nota que está na minha área e com um sorriso fala satisfeito “e aí vida boa, tava te procurando e não te encontrei... hahahahaa!!!”... era bom encontrar alguém para compartilhar aquela noite ansiosa e desgraçada. Me sentei na companhia de generais, pensadores, lideres, balzaquianas, modernistas e talves alguns Jedi’s, bebi do cálice dourado, traguei a fumaça sagrada, e compartilhei com alguns pensadores o meu plano, a minha jornada rumo a uma exportadora de muamba, ou uma vida muito melhor abastecida, quando notei já estava no Ceasa, seguindo o Imperador da Babilônia e seus súditos em busca do próximo riff, acorde ou distorção, do mais verde, da mais gelada, em busca de qualquer eu satisfeito que se possa ter por ai, com pouca grana e com uma gana de tudo, até acabar muito louco e virado perto do Brás. De repente fui acordado, na estação de trem do Brás, num banco de concreto, pelo vento de um trem chegando, a boca estava seca e os olhos ardiam como se o Sol fosse de limão e sal. Meu estomago estava insatisfeito e sai correndo da estação, não via mais as pessoas em volta, só corria em direção à rua suando o resto de líquido que ainda tinha no corpo e depois de entrar num bar derrubando cadeiras e alguns copos cheios me ajoelhei no confessionário e despejei toda a verdade amarga fétida e sombria que eu tinha nos meus intestinos, e com isso os espíritos vão embora, as vozes desaparecem e eu estou abraçado a um vazo sanitário às sete da manhã, vasculho os bolsos e não encontro os euros que a Sarah tinha me descolado, na verdade não achei porra de dinheiro nenhum. Saí do banheiro do bar de cabeça baixa, tentando fingir que não era notado mesmo com os encontrões e resmungos. Cheguei na rua e vi o Sol surgindo entre os galpões, entre as fábricas do Brás, já perto da Mooca, o céu ficou vermelho por alguns instantes e foi ficando alaranjado bem na minha cara.

Me sentei na soleira de um portão de madeira e fiquei tentando descobrir como eu tinha chegado ali. Achei uma nota fiscal de uma loja de conveniência da Lapa, mas nem de lá eu me lembrava mais. Procurei mais uma vez pelo dinheiro e achei boa parte dentro da meia, mas não era nem a metade, o que explicava o fato de eu não me lembrar de nada e estar com uma ressaca filhadaputa.

A rua estava com uma névoa esquisita, parecia de mentira, meio azul lilás verde abacate seilá. Eu tava colocando a grana na meia e a meia no pé encostado naquela porta quando a filadaputa abriu e eu rolei pra trás loja adentro. Eu fiquei todo desnorteado e quando levantei mal conseguir supor pra onde poderia ter ido o sapato a meia e menos ainda a grana. Tentei ficar de pé ainda meio torto e no que firmei os pés no chão fui atacado por uma caralhada de pombos e um cara com uma vasoura que veio feito uma vaca louca mas que me acertou em cheio no estômago me nocauteando de uma vez por várias. Fiquei com a cara grudada num piso de madeira gosmento e não conseguia mais levantar nem se o próprio JC me convocasse, daí lembrei da grana e expliquei pro meu ressecado cérebro que aquelas coisas finas e compridas que ficavam pra baixo do meu pau tinham que ficar firmes, talvez até firmes o suficiente pra socar o cara que me bateu se ele não quisesse cooperar, expliquei mas ele tava de greve, consegui ficar de joelhos tempo o suficiente só pra ver que aquilo era um pico bizarro, tinham uns manequins com uns olhos enormes pintados e umas estantes altas pra cacete cheias de livros e com umas milhares de gavetinhas de madeira escura, o lugar era comprido e lá no fundo tinha ainda mais fundo até não dar pra ver mais porra nenhuma e a névoa esquisita da rua entrava e a luz da manhã deixava o lugar parecendo a coisa mais velha do mundo com toda aquela madeira escura empoeirada e todos aqueles bonecos com alfinetes por todo lado e pilhas de livros e de panos e de partes de bonecos e toda a sorte de quinquilharia que um filhodumaputa com um braço vindo na minha direção poderia ter quando eu gritei “pára caralho!” e ele parou, baixou o braço, me olhou com uma cara de “o que que você quer aqui caralho?”. Ele falou com tanta calma que nem parecia o maníaco que me atacou com a vasoura um minuto atrás, eu me vi ajoelhado na loja do cara e senti meu cheiro, eu tava todo mijado ainda por cima, além de sujo e bêbado e descalço de um pé “cára, seguinte, meu sapato e a minha meia voaram aqui pra dentro quando eu caí, cadê?”, ele não entendeu porra nenhuma, me olhou de cima abaixo, o cara era magro, com cara de caipira, devia ter uns trinta e vários e pouquíssimos amigos, usava uma camisa bem larga e um colete verde como a calça, era sem dúvida um terno e ele usava uns sapatos daqueles de operário com a ponta bem gorda e pesada. Tá, o cara era chique e tal mas já tava me irritando me olhando daquele jeito sem falar nada, daí eu lancei

–Seguinte mano, você é alfaiate ou coisa parecida?

O cara meu piscou, continuou me olhando com cara de analista de madame, o que tava me infezando pra caralho, pensei “só me resta dar um salve nesse cretino e ir procurar minha grana” quando ele pega e solta um “você quer que eu te faça uma roupa?”

– É isso aí sabichão, mas pra isso eu preciso achar minha grana, você viu ela por aí?

– Se você quer que eu te faça a roupa fica quietinho e vem comigo.

E saiu andando pro fundo da loja, perguntei “e o meu sapato? E a grana?” mas ele nem tchum, continuou andando pro fundo da loja sem dar a mínima pro que eu dizia. Fui atrás dele, já que eu não tinha muita opção àquela hora da manhã. A cada passo que eu dava atrás do cara ai ficando tudo cada vez mais escuro, eu ficava procurando a minha grana pelo chão mas nada, meu sinal de porra nenhuma e quando olhei pra frente o cara tinha sumido e eu pensava “filho da puta, pegou minha grana e agora sumiu na neblina, vô botá fogo nessa porr...” aí à direita do corredor tinha uma portinha que dava prum porão ou sei lá o que, não tinha outro lugar pra onde o cara pudesse ter ido daí fui atrás. O lugar era um breu só e eu ficava me tropeçando o pé calçado no descalço e ia descendo me escorando nas paredes e querendo achar uma lógica pra eu sempre me meter nessas enrascadas escrotas...

Nenhum comentário: