segunda-feira, setembro 11, 2006

Vestido de noiva

Algumas coisas nessa vida simplesmente estão fora do nosso controle, nos ultimos anos tive muitas mulheres, muitas paixões, mas nenhuma delas me segurou por muito tempo. Não do tipo de cara que se apega facilmente, pra falar a verdade isso só aconteceu uma ou duas vezes, e eu vou contar pra vocês aqui uma dessas histórias.

Outro dia fui no centro velho, tomar umas com a Lúcia, uma putinha que conheci numa noitada dessas, depois de algumas cervejas e um ou dois rabos-de-galo perguntei a ela se ela tinha algum sonho, algo que ela quisesse viver e que fosse orgulhá-la para sempre, fiz essa pergunta para algumas pessoas ultimamente e recebi respostas diversas, mas a dela foi pra mim a mais sincera, fiquei realmente atônito quando ouvi aquela mina me dizer que o sonho dela era se casar. Na hora me lembrei de que ela já foi casada antes de vir pra São Paulo, como ela me disse uma noite dessas, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ela já foi logo emendando "eu não estou falando de ser casada, isso eu dispenso dez vezes, eu tô falando do casamento, o vestido, as fotos, o significado sabe?tenho meu vestido até hoje, na casa da minha mãe em Jequié, assim que eu juntar uma grana e morar num lugar melhorzinho vou buscar ele e deixar no meu quarto, num manequim, só pra poder me lembrar daquele dia, aquele vestido é tudo pra mim, é como se ele falasse pra mim que um dia eu já fui amada, nem que fosse só por um dia, uma mulher pode ter tudo nessa vida, mas ela nunca vai ser completa enquanto ela não tiver um vestido de noiva."

Ela me falou tudo aquilo com os olhos mareados, nunca tinha visto ela assim, nem com três papéis na mente e cinco clientes numa noite eu nunca tinha visto uma mulher daquele jeito, ela era apaixonada por aquele vestido como se fosse a única coisa boa que tinha acontecido na vida dela, e eu realmente não duvido que seja.

Eu tive muitas coisas boas na vida, mesmo decadente aínda tenho um bom carro, umas gatas que gostam de ferver comigo e algumas coisinhas que fui acumulando nos ultimos anos, mas quando eu a ouvi falar daquele vestido me deu uma inveja destruidora, quando entrei na marginal pinheiros para voltar pra casa com aquele Sol gelado de inverno na cara percebi que estava chorando, eu chorava e chorava pra caralho pensando que nessa vida maldita eu nunca tive nada que eu valorisasse e amasse tanto, o pior é saber que esse sentimento já estava vivo dentro de mim a anos, mas só nessa noite ele saiu do armário, e ele veio com tudo. Senti um vazio estranho, uma ânsia de por meu estômago pra fora, chorava e chorava copiosamente até chegar em casa.

Algumas semanas depois eu aínda estava em casa, fraco e febril como não ficava a anos, a lembrança daquela conversa havia aberto meus olhos para um espelho onde o reflexo era opaco e sem vida, sem objetivos, sem conquistas, até que num dia quente e úmido eu estava no sofá vendo Chaves quando toca a campainha, olhei pela janela e tinha uma perua dos Correios, coloquei um hobby e fui atender, cheguei no portão e o carteiro tava com a bunda virada pra mim pegando uma caixa enorme de dentro da perua, antes de eu perguntar ele me disse "aí chefe, lembra quando teve aquela enchente na agência do Piraporinha? Então, resgataram isso de lá pra você, já faz quase dez anos né? Pois é, espero que não seja urgente." Ele estava se enrolando todo para tirar uma caixa enorme da van e isso foi me deixando louco de curiosidade para saber o que tinha lá dentro. "Ó chefe, se tiver estragado alguma coisa você vai precisar ir lá na agência com a mercadoria que a gente resolve o resalciamento... tá aqui, o senhô é Valter Figueira?" assinei as três vias e entrei em casa e nem fechei o portão nem a porta da sala, era uma caixa grande como a de uma tv de 20 polegadas e me sentei de frente pra porta para não precisar perder tempo ligando a luz.

Sentei no sofá e comecei a abrir a caixa, ela aínda estava com cheiro de esgoto, abri primeiro a caixa do Sedex, depois tirei de dentro uma segunda caixa bem bonita, com um laço enorme, quando ví essa caixa comecei a duvidar que ela fosse pra mim. A muito custo abri essa segunda caixa e não sei por que diabo de mágica ela tinha cheiro de perfume, quando fechei os olhos e dei uma fungada bem dada pra tirar a inhaca do cheiro da outra caixa percebi que cheiro era aquele, era uma colônia bem suave, bem coisinha de adolescente, aquele cheiro me lembrava dos tempos do colégio, das menininhas de uniforme, ha há... tempo bom aquele. Terminei de abrir a caixa e lá dentro tinham uns papéis coloridos picados, conféti, coraçõezinhos bem pequenos cortados em papel colorido, bem pequeninos, milhares deles. A essa hora minha mente começou a viajar e espalhei os papeizinhos pela sala toda na ânsia de saber o que havia no fundo da caixa, eu estava implorando por uma resposta com relação à rementente daquilo. Finalmente mais ou menos no meio da caixa eu senti uma coisa, parecia um rolo de papel higiênico de rodoviária, sabe aqueles enormes? Tirei de dentro da caixa e fiquei meio sem jeito com aquele troço enorme, na verdade não era papel higiênico, era sulfite, uma folha colada na outra,finalmente achei a ponta, agora eu saberia quem havia me mandado aquilo, e lá dizia:

"Lembra que há dias eu disse que queria te dizer uma coisa e que precisava ser pessoalmente? Pois é, como não tenho conseguido te encontrar resolvi te escrever, espero que você goste, eu não consegui imaginar forma melhor de te mostrar o que você significa pra mim. Beijos, A. J..

02.10.98."

Fiquei sem reação, e enquanto tentava organizar as idéias o rolo escorregou das minha mãos e começou a rolar, primeiro pela garagem, depois rua abaixo até chegar à próxima esquina uns cinquenta metros adiante. Desci a rua e fui lendo milhares de "eu te amo", poesias dos mais diversos autores e frases de cartão de dia dos namorados nas mais diversas cores, tudo muito bem decorado e pintado, eu não sabia realmente o que pensar quando cheguei ao final da rua e os vizinho omeçaram a me olhar de hobby alí, tentando chegar no final da carta. Cheguei ao final dela e comecei a enrolá-la, agora lendo com mais atenção tudo que estava escrito, eu lia e tentava me lembrar de que poderia ser A. J.. Quando já estava entrando em casa de volta me lembrei, o nome dela era Ana Julia, era uma garota que eu conheci em alguma matinê por aí, ela era linda mas quando você tem 16 anos meninas lindas aparecem a rodo, quando terminei de enrolar a carta me sentei no sofá e comecei a lembrar de quando eu parei de atender as ligações dela, minha mãe ficava louca, me chamava de canalha o tempo todo, nas ultimas vezes que nos falamos lembro que ela dizia que tinha uma coisa muito importante pra me dizer, nunca dei muita bola, pra falar a verdade acho que parei de atender as ligações dela porque achei que ela tentaria me pedir em namoro, e como eu já tinha uma não seria bom arrumar outra, aínda mais do outro lado da cidade, era uma questão de praticidade sabe?

Fiquei me lembrando da Ana Júlia e em poucos minutos estava loucamente apaixonado, pensei em procurá-la, pequei a lista telefônica, depois procurei, Orkut, Google, finalmente encontrei alguma coisa, ela estava bem, continuava muito bonita, então hackeei uma ficha de inscrição dela e consegui achar seu telefone, me sentei ao lado do telefone e respirei fundo, disquei o número, quando o telefone começou a chamar olhei para o lado e ví a carta, fiquei olhando para ela por muito tempo, tempo o suficiente para ela atender o telefone e desligar por eu não ter dito nada, e tempo o suficiente para entender que eu estava apaixonado pela carta e não por ela, assim como a Lúcia era apaixonada pelo vestido de noiva.



Isso é um conto completamente ficcional, ok? Certo, ok. E não me venham falar que é o meu auterégo porque eu nem sei como se escreve isso.

5 comentários:

Anônimo disse...

imprimi pra ler no metro. eu trabalho e não tenho tempo de ler conto na internet hahahaha. abs

Anônimo disse...

alterego ou alter ego, coisa!

Anônimo disse...

alterego ou alter ego, coisa!

Kat Marques disse...

A busca intensa do seu humano..... Ser amado!

A gente deseja tanto e morre de medo de acontecer. É bem melhor manter o controle e o status on line, ou off line...

Beijos.

Kat Marques disse...

Este conto ficou ótimo... mesmo!