quinta-feira, janeiro 12, 2006

Drunken Hearted Man

No final das contas acho que tudo se resume a um único exercício, um exercício de escolha entre prazer e dor. Fugir da própria dor, buscar o prazer sem fim, sem limites, mesmo que este esteja na dor do outro, a dor do outro é outra coisa, não é dor. Ela só é dor quando a lágima é derramada no teu colo, o tapa é na tua face, o sangue é no teu vidro.

Se importar com a dor alheia é um exercício também, porque não. Este é um caminho sem volta, a dor sentida na carne, a lâmina fina da dor rasgando a carne, depois que o sangue escorre o que resta é assistir e passar um anti-séptico, não existe punição que cegue a dor, ensurdeça o sofrimento de quem foi ferido, quando a mancha na calçada se faz real e os olhos se enchem de lágrimas não há mais remédio, a vergonha se eterniza numa cicatriz sem mascaras, a bênção de uma marca recebida não pode ser negada, compartilha-la é multiplica-la, nunca a cura.

O carinho da pele macia do vingador, o olhar louvado do perdão só te leva pra dentro da chama do inferno viciante, interminável, a consciência de fazer parte de um ciclo de prazer e dor é como uma agulha envolta por carne e recheada de heroína, sapientiae é promessa, daí pra frente são hormônios e neurônios, um estalo e a coisa toda se processa sem fim, a estrada corre frenética sob os seus pés e você só vai querer não estar lá, e mesmo que você não estivesse, o veneno vai te invadir pois este é o jogo, o fim do tédio torturante se dá na mentira, na intriga, na verdade que insulta, na distância insistente e na aceitação preguiçosa.

Quando ouço seus passos subindo as escadas me lembro da prece que não fiz ontem antes de dormir e mordo o lábio numa punição tardia pela distração, não é falta de fé, talvez sim de hábito, mas seus calcanhares agredindo o assoalho parecem estar sobre minhas vísceras enquanto me encolho para me esconder de meus próprios arrepios ante a severa punição de que sou merecedor, pois sim, a mereço por não ouvir as coerentes vozes que me alertaram sobre o que me seria de destino caso minha busca por satisfação fosse para além do que o imposto pela mão vingativa dor, pois esta sim seria definitiva e me buscaria no mais recôndito e úmido buraco.

E esta vergonha indolente, intransigente que me persegue até no mais profundo mergulho teve força suficiente pra me manter díspar, e esse amor que me faz tão bem me tem dado forças para vencer uma natureza maculada e animal, natureza essa que me mantém a todo momento nessa pugna desigual e funesta entre dor e prazer.

Ouvindo:

Deftones - Boys republic, Simple Man
Dominatrix - July 14th
Robert Johnson - Drunken Hearted Man, Me and the devil blues
Ray Charles - Alone in this city, I love you I love you, Can't you see darling
Patsy Cline - I've loved and lost again
Hateen - Big Life
Gladys Knight & the Pips - Letter full of tears
Green Day - Boulevard of broken dreams
Armandinho - Desenho de Deus

Um comentário:

Anônimo disse...

NOSSAS VIDAS SE PASSAM EM UMA FRAÇÂO DE SEGUNDOS EM NOSSOS OLHOS. MAS ISSO SÒ AS VEZES. ESQUEÇA O QUE OS DEDOS ENRUGADOS DIZEM. HASTA MY BROTHER>>>DU CARAIO TELO COMO AMIGO.