quarta-feira, abril 15, 2009

Eu guardo minhas armas no meu quarto e me mato sempre que posso...

“12/06 – 17h30.
Faltam umas poucas horas pra tudo acontecer meu querido diário, 50, 60 horas, acho que não deve passar disso. Acho que não deveria estar aqui, mas não sei mais pra onde ir, e aqui tem sido mesmo meu refúgio desde que saí daquele lugar maldito. Não que aqui seja um lugar muito melhor. Quero ver minha mãe antes de acabar com isso, só preciso vê-la mais uma vez, depois posso até acabar com tudo e acabar com essa espera logo de uma vez.
Não sei se te encontro de novo, obrigado diário, sem você não sei se daria conta de tudo isso.”
Fechou o diário e se sentou na cama virada pro espelho, um espelho comprido e esguio, como Lucila. Levantou-se, olhou para trás e conferiu que a janela se seu quarto estava fechada, se olhou sincera, tristemente sincera e deixou a camisola cair por sobre os braços, se olhou longamente no espelho, procurava em seu corpo a feminilidade que nascia a cada dia, ficou mais triste notando que seus seios de menina continuavam tomando forma e seu quadril alargava, era quase uma mulher para o espelho, era um espectro pra si, pensava que não adiantava mais se se olhar, que aquela que era agora se esvaia, sabia que seu destino estava chegando a um fim, pensava que sua história se apagaria em um ou dois dias e não haveria ninguém pra chorá-la, ninguém desejando nem que vivesse nem que morresse... Talvez já estivesse morta ali, diante do espelho. Viu-se fraca, magra de as costelas arranharem a pele, se olhava e se via longe do espelho, parecia longe daquela nascente de sensações e responsabilidades de mulher quando buscava sua própria imagem mental, a imagem da menina sonhadora e amada que fora, via aquelas bochechas magras e brilhantes como se tivessem escamas e era conciente de que aquela não era ela, era sim o resultado de duras escolhas que fora obrigada a tomar para preservar essa menina intocada como se vê ali, flattened à mulher que estava se tornando.
subitamente vê aquele corpo nu no espelho e resolve que aquela mulher de flanges vermelhas, gastas, dedos grossos, cheiros agridoces e sombrancelha levemente arqueada, pretendendo sarcasmo, decide que ela precisa ter suas memórias também, algumas das boas, e não apenas as chagas da vida sozinha, o gang-bang da uruca. era hora de descolar uma grana e viajar pra valer pelo menos uma vez na vida. Se olhou novamente e a molecota tava toda blured, quase sumindo e a outra, a que tirou a camisola estava pronta para marcar outras partes de seu espírito.
Lembrou de Marcela, a Céu, uma das únicas moças mais jovens da pensão. A pensão era num portão lateral de uma mercearia no Bexiga, entrando nesse portão enferrujado e torto é como se você entrasse em outra dimensão do Stargate Atlantis, logo fica mais escuro, quando você dá o primeiro passo depois de fechar o portão fica quatro graus mais frio, ou mais quente no verão, úmido como um sonho e pestilento como num pesadelo. As luzes ficam mais duras e as cores mais contrastantes, logo o corredor vira uma escada sinuosa e irregular para baixo tendo de um lado as portas dos quartos, dos banheiros coletivos e as escadas de aço que levavam a um dos dois andares acima e do outro lado uma centena de varais coloridos cheios de roupas entrelaçados, confusos, que ficavam na frente de uma parede de chapisco pichadas e mofadas de preto e verde. A oitava porta era a de Lucila e duas portas depois, numa das maiores suítes era o quarto de Céu, uma garota negra pouco mais velha que Lucila, uns 4 anos no máximo, porém notadamente muito mais mulher, em todos os sentidos. Trabalhou em alguns inferninhos logo que chegou, ouvia-se a dona Gerusa revoltada com a idéia de ter uma “piranha profissional” dividindo corredor com ela e seu marido, que não parecia também ser flor que se cheirasse. Céu era bonita e alegre, sempre sorria, mesmo com a família toda de carpinteiros do ultimo quarto olhando pra sua bunda da mercearia enquanto ela se enrola pra abrir o portão com as mãos cheias de compras. Decidiu que queria ter aquela força ainda, pensou no pouco tempo que tinha e decidiu que faria como ela pra entender toda aquela força.

– Oi Céu! – Exclamou sorridente, falsa como uma criança.
– Oi menina Lu... – Pensou – Lucila! Entra aqui menina, ta vento ai! – Puxou Lucila e fechou a porta num movimento que não durou um segundo. Olhou para Lucila de baixo a cima, a menina vestia a mesma camisola de antes. Sorriu. – Fala aí Lu, o que é que há. – Disse com um sorriso interessado...

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