sábado, junho 09, 2007

Pé na estrada.



Estou na estação rodoviária do Tietê, esperando meu ônibus pra Minas Gerais, ouvindo Björk (no auto-falantes da estação mesmo e não no meu diskman) e comendo um pão de queijo, porque afinal de contas, estou indo pra minha terra natal, a terra do pão de queijo e do doce de leite com água mineral e guaraná Mantiqueira... mistura boa né?? rss...


Meu feriado está agitadíssimo, não que eu tenha feito algo de útil, mas estou andando feito um camelo, ou correndo, como foi o caso ontem. Várias ligações, pessoas me procurando, eu procurando pessoas, sensações diversas, sorrisos ininterpretáveis, a vontade de escolher qualquer onibus e apenas partir... indo pra onde der na telha... seria legal... mas deixa pra lá, fica pra próxima.

(...)

Depois de mais algum tempo naquela cidade com o amanhecer mais cinzento da face da Terra eu parti, pela Dutra, rumo à minha terra-natal. Eu observava atentamente o caminho verdejante do Vale do Parnaíba deixando pra trás uma variedade indescritível de paisagens, e não olhei pra trás durante todo o percurso, como se aquelas casinhas e fábricas e andarilhos misteriosos fossem a personificação do meu passado, o qual eu quero deixar para trás de uma vez por todas, como as casinhas perdidas nos vales entre as Serras do Mar e da Mantiqueira, pois quando pegar esta estrada em meu caminho de volta, essas casinhas serão como se nunca tivessem estado lá, pois estarei alheio aos teus anseios.

Depois de incontáveis paradas em cidades cada vez mais uniformes e pitorescas eu chegava no início da tarde à cidade onde nasci e vivi meus primeiros anos. Eu via a cidade não com a segurança de um íntimo, de um filho daquela terra, mas sim com a curiosidade de um turista, como se as lembranças que tenho desse lugar tão querido fossem apenas fotos num folder de agencia de turismo.

Logo na primeira avenida já pude perceber que nem tudo mudara por lá. Uma moto caída, um carro de polícia, sirenes ligadas e quase uma centena de pessoas em volta. À medida que eu subia a rua, podia ouvir os comentários relativos ao acidente se propagarem como uma gota num lago, criando ondas de “notícia” onde pela primeira vez eu pude surfar, o que confesso, é uma experiência curiosíssima. E a qualidade dos comentários subia a cada esquina, tinha desde fofoqueiros explicativo-descritivos, especialistas de diversas áreas, um médico falando sobre as suturas que ele já colocou em acidentados de moto, um fofoqueiro-jurista, discorrendo sobre as implicações legais da queda, sociólogos tentando explorar o modus operantis de uma amostragem populacional a fim de provar que a nossa sociedade está infestada de sociopatas, hipsters e punks que não estão nem aí pra vida alheia, os fofoqueiros-economistas que discutem sobre como a indústria automobilística lucra com os motoristas imprudentes que se estabacam no chão, os bibliotecários que ficam tentando analisar e catalogar todas as informações ao redor, entre mais uma infinidade de fofoqueiros típicos de cid... bem, de qualquer lugar.

Logo atravessei a cidade e cheguei ao hotel Solaris, onde minha mãe me aguardava. A recepcionista do hotel era certamente uma bruxa Wicca, acabei de lembrar disso. Um banho e um almoço depois chegava o taxi que me levaria praquela que seria a experiência mais esperada do feriado, ser padrinho de crisma na cidade onde eu fui criado, Carmo de Minas, provavelmente a experiência mais root que eu terei na vida.


Depois de passar numa estrada em perfeitas condições construída pelo futuro candidato à presidência pelo PMDB (um sorvete pra quem adivinhar quem é!?) nós chegávamos lá, uma típica cidade do interior, a igreja, a praça, o coreto, o bar e as crianças brincando, tudo como deveria estar em uma cidade de 400 habitantes. Na igreja, impecavelmente decorada para a ocasião, nem sinal de movimentação, nada além de lâmpadas de natal piscando em volta de uma imagem de Nossa Senhora. Os apóstolos me olhavam curiosamente, com intimidade semelhante à das crianças lá fora, pois não os devia ver onde quer que fosse, há tanto tempo quanto não via aquelas crianças.


Depois de cerca de uma hora de atraso, a praça começa a se encher e antes que eu pudesse tirar a máquina fotográfica do bolso a cidade toda já estava entre a escada da igreja e o carro do prefeito que vinha trazer a personalidade do dia, o bispo. Pela primeira vez eu via um desses fora do tabuleiro, e agora posso dizer, é igualzinho, de longe parece feito de marfim ou mármore italiano, mas quando se chega perto dá pra ver que é de barro, bispo Diamantino era o nome desse, muito parecido com o santíssimo padre, porém mais ressecado.


Depois de abençoar um maço de santinhos do prefeito lá vinha ele, carrancudo como o cargo recomenda, seguido por uma multidão de 400 pessoas. Depois de certo empurra-empurra com a chegada de bispo Diamantino, o Chicó pode tocar a flauta mág... não, essa é outra história... Logo todos se acomodaram e começou a ladainha. Lá pelos quarenta minutos da terceira hora de palavrório, com um “para que sejamos verdadeiramente filhos de Deus reconheçamos nossos pecados e peçamos perdão” e mesmo um ou dois “pois ele nunca desprezou um desgraçado em sua miséria” e uma canção cujo refrão é “tende piedade de nós, só vos sois o Santo, só vós, o Senhor, só vós, o Altíssimo, com o Espírito Santo na glória de Deus pai...” acaba a punição, os crismados vão, abraçam e beijam o anel de Diamantino, o bispo de barro e estão todos livres para voltar à pecaminosa noite de Minas Gerais, cheia de pinga e de “fogo mineiro”. Mas o taxista nos esperava, tínhamos que ir.


De volta ao hotel da Senhora do Lago eu continuava de queixo caído com aquela cena de filme do Mazzaroppi, toda a cerimônia tinha o cheiro do nanquim de Frans Post quando chegou a Pernambuco junto de Nassau no início século XVII, tinta velha que depois de morar em São Paulo por 19 anos eu já não fazia mais idéia de que ainda era usada.

Ouvindo:

Interpol - Say hello to the angels.

Um comentário:

Anônimo disse...

há uns findis, meus pais quase me arrastaram pra minha cidadezinha-do-bicho-de-pé. Quase. Ia dar uma bela história tbém.