Sabe quando você não vai muito bem das pernas? Eu estava assim. As contas se acumulavam debaixo da porta e eu não tinha forças mais pra me abaixar e tira-las de lá, já imaginava o dia em que não conseguiria entrar em casa por conta delas. Procurava trabalho, mas me decepcionava com eles antes mesmo de terminar as entrevistas, já trabalhei bastante nessa vida, conheço bem vícios de empresas grandes ao tratar funcionários, já começa quando eles te dão um nome e uma sigla, pra não terem que te tratar como gente, e isso é feito no primeiro dia, às vezes na entrevista já começa, CANDIDATO Nº32. Sei que devia me esforçar mais, afinal, tenho também meus vícios para sustentar.
Tenho ficado cansado com facilidade, não sei bem porque, apenas estou o tempo todo. Dou uma cagada umas três vezes por dia, ainda lembro quando tinha bandejão numa fábrica onde trabalhei, ficava vinte minutos à tarde me cagando, sem parar, dava pra entupir uma privada menos preparada, mas não aquelas da fábrica, eram enormes, e limpas, como eram limpas. Hoje em dia até as cagadas me deprimem, cada vez mais rápidas e pífias, por vezes com sangue, ou vinho, o que dá quase na mesma, agora tem saído quase que só água suja, mas como fede.
Dia desses estava pensando em como me reerguer, vi que a situação estava ficando perigosa, tentei vitaminas, CVV, igreja, outras igrejas, auto-ajuda, psicanalistas residentes, pílulas vermelhas, azuis, verde-e-amarelas, não rolou. Um dia uma gata que eu costumava fazer apareceu no meu confessionário de praxe. Logo de entrada já pegou uma vodka e um energético, pagou com uma nota de cinqüenta, estava feliz da vida, isso se notava de longe. Nem me viu por baixo da barba mal feita e da corcunda faminta, então fui até onde ela estava, no meio do balcão, onde todos podiam vê-la, que era como ela gostava de ficar. Cheguei e pedi uma cerveja.
– Ei Sarah, pelo jeito você está ótima, então posso pular essa pergunta...
– Quem é v... Jota! Gato, o que que ouve?
– Caralho gata, não achei que estivesse tão ruim. Mas já que você notou, bem, estou meio enrolado.
– Porra mano, te disse pra não ficar andando com aqueles malucos Socorro.
– Não é nada disso. Eles até têm dado uma força. Tô sem trampo, procurando, mas ta foda! Sabe como é né, lembra quando teu irmão ficou nessa.
– Mas ele pelo menos se lavava. O que ta havendo contigo cara?
– Nada gata, nada mesmo, só estou de saco cheio, tô dando um tempo, pensando numas coisas, logo eu to aí de volta, te tirando de cima desses seus saltos de dois barão.
– Assim espero, desde que eu voltei da França que não dou uma das boas, como você costumava me dar. – Agora ela se lembrou de mim, sorriu do jeito antigo. – Mas se liga, tem um cara que eu conheço que vai abrir uma fábrica aqui perto, em Santo Amaro, é um cara legal, daquelas bixas finas sabe? Então, acho que ele te consegue alguma coisa. Você ainda tem aqueles contatos no México?
– Tem uns caras lá, mas o que ele ta querendo?
– É uma fábrica de roupas, e ele quer exportar pros Estados Unidos, mas o imposto direto daqui pra lá é muito alto, se as roupas passarem pelo México pra receberem os botões ou só trocarem de caixa daí fica bem mais viável a parada. O que você acha?
– Sei lá gata, os caras lá exportam outro tipo de coisa pra gringa, não sei se eles iam pirar nesse lance de roupa de bixa.
– Sei lá o caralho, é grana alta, eles manjam de exportação, você conhece os caras, ta tudo perfeito, porra Jota, entra nessa comigo, te ajudo no que precisar, vamos lá vai, ou você vai dizer que não ta com saudade do meu rabo?
– Tá Sarah, ta certo, vou ligar pros caras. Mas quando eu vou conhecer esse seu mano bixa? Se ele vier com história pro meu lado...
– Relaxa Jota, o cara é de boa, tem o macho dele, e você já conheceu ele uma vez, numa festa que eu dei praquele lóki que vende uns cavalos, ele sabe que você é cacho meu.
– Se é assim... mas eu to um lixo, será que ele vai colocar um fé em mim?
– Se liga, ta aqui uma grana – Ela sacou um maço de Euros e uns reais e umas moedas sei lá de onde – Compra um terno, faz barba, unha, cabelo que eu marco de você encontrar esse cara daqui uns três dias.
– Quem é v... Jota! Gato, o que que ouve?
– Caralho gata, não achei que estivesse tão ruim. Mas já que você notou, bem, estou meio enrolado.
– Porra mano, te disse pra não ficar andando com aqueles malucos Socorro.
– Não é nada disso. Eles até têm dado uma força. Tô sem trampo, procurando, mas ta foda! Sabe como é né, lembra quando teu irmão ficou nessa.
– Mas ele pelo menos se lavava. O que ta havendo contigo cara?
– Nada gata, nada mesmo, só estou de saco cheio, tô dando um tempo, pensando numas coisas, logo eu to aí de volta, te tirando de cima desses seus saltos de dois barão.
– Assim espero, desde que eu voltei da França que não dou uma das boas, como você costumava me dar. – Agora ela se lembrou de mim, sorriu do jeito antigo. – Mas se liga, tem um cara que eu conheço que vai abrir uma fábrica aqui perto, em Santo Amaro, é um cara legal, daquelas bixas finas sabe? Então, acho que ele te consegue alguma coisa. Você ainda tem aqueles contatos no México?
– Tem uns caras lá, mas o que ele ta querendo?
– É uma fábrica de roupas, e ele quer exportar pros Estados Unidos, mas o imposto direto daqui pra lá é muito alto, se as roupas passarem pelo México pra receberem os botões ou só trocarem de caixa daí fica bem mais viável a parada. O que você acha?
– Sei lá gata, os caras lá exportam outro tipo de coisa pra gringa, não sei se eles iam pirar nesse lance de roupa de bixa.
– Sei lá o caralho, é grana alta, eles manjam de exportação, você conhece os caras, ta tudo perfeito, porra Jota, entra nessa comigo, te ajudo no que precisar, vamos lá vai, ou você vai dizer que não ta com saudade do meu rabo?
– Tá Sarah, ta certo, vou ligar pros caras. Mas quando eu vou conhecer esse seu mano bixa? Se ele vier com história pro meu lado...
– Relaxa Jota, o cara é de boa, tem o macho dele, e você já conheceu ele uma vez, numa festa que eu dei praquele lóki que vende uns cavalos, ele sabe que você é cacho meu.
– Se é assim... mas eu to um lixo, será que ele vai colocar um fé em mim?
– Se liga, ta aqui uma grana – Ela sacou um maço de Euros e uns reais e umas moedas sei lá de onde – Compra um terno, faz barba, unha, cabelo que eu marco de você encontrar esse cara daqui uns três dias.
A conversa rolou mais um pouco, ela me deu uns detalhes sobre o lance. Qualquer um diria que era a chance de uma vida, mas eu sou mineiro e como tal desconfio até do Papa morto. Depois disso e de mais algumas vodkas ela se abriu mais um pouco, falamos sobre trivialidades, toda a sorte de trivialidades na verdade, tentei investir num incentivo a mais, um proximidade maior,sabe como é, pro assunto não morrer por ali, como costuma acontecer com gatas dessas de salto agulha, mas eu realmente não andava muito convidativo desde que cortaram a água em casa, então nos despedimos e fiquei sozinho de novo no altar. Àquela altura todos os outros vadios do bar se perguntavam o que ela tinha visto em mim, eu não saberia responder, nem mesmo nos meus melhores dias, acho que eu só fazia o que tinha de ser feito, e elas vinham, a grana vinha, tudo fluía, a coisa desalinhou e eu passei a ser ganguebangueado por tudo e todos quando deixei de fazer o mínimo, o essencial, que agora, vendo as contas acumulando e a mamadeira enchendo me liguei que deixar acumular é um péssimo negócio e agora tenho que me mexer antes de ficar preso pra fora de casa.
Esse bar tinha um banheiro ótimo, pelo menos agora acho isso. Ele fede sim, e muito, é imundo pra falar bem a verdade, mas o lavabo é um tanque e como eu não tenho água em casa o tanque virou meu chuveiro. Em algumas horas iria encontrar meus pais, então era a hora para começar a por ordem na casa. Eles estavam vindo do cu de mundo onde eles foram morar desde que o velho se aposentou, não fui lá ainda, então não sei nem se é praia ou mato, mas espero que esteja fazendo bem pros nervos dele, pra que ele não encha os meus.
Passei pelo bar contando meus euros amassados, paguei a conta enquanto secava o rosto com a camisa aberta e depois fui pra casa me arrumar pro jantar, de repente conseguia levantar algum com ele também, pra reerguer meus cacos. Cheguei e já vomitei por cima da merda fétida de vinho do dia anterior, tentei a descarga sem sucesso, de novo sem sucesso. Abri a janela pra dispersar o cheiro e a chuvinha de verão que acabara de começar me molhou mais um pouco, gosto de água da chuva, em São Paulo a possibilidade dela ser ácida é grande mas o que é um peido pra quem ta cagado.
Coloquei uma calça de linho, linho é sempre uma boa escolha, até porque está sempre amassado, então ninguém acha que eu deixei de passar, uma camisa estampada pra que os velhos tenham com o que se destrair quando o assunto acabar, um sapato confortável e listo, é só correr pra churrascaria.
No ônibus meu estômago começou a embrulhar de novo, o busão tava cheio, as pessoas falavam alto e ficavam com aqueles celulares ultramodernos tocando funk carioca alto pra caralho, gosto de funk, gosto de música, mas se você coloca três músicas ao mesmo tempo a coisa costuma ficar sacal, incomoda, e este era o caso ali. Desci travando os dentes e me escorei no primeiro poste em busca de um relento, foi-se tudo o que eu não consegui cagar, nem digerir, detesto ver aquele frango de coxinha todo sendo desperdiçado, grana desperdiçada. Faltavam só três pontos, a chuva já tinha parado e agora subia aquele vapor quente de fim de tarde de verão, eu estava tão mole que acho que poderia flutuar naquele calor todo, comprei cigarros no caminho com as moedas que vieram junto dos euros e segui debaixo daquele céu dourado de cerveja com colarinho de enxofre de fumaça de caminhão.
Cheguei e eles já estavam sentados, comendo, os velhos com suas posturas sempre dignas, minha irmã-modelo-de-boa-filha já dopada de Prozac genérico, o cunhado médico imbecil e a criança que é a cara do cunhado médico imbecil mas com o humor da irmã-perfeita-drogada, com o agravante de que ele grita, pelo menos quando eu estou a mais de três metros desde que eu lhe arranquei dois dentes de leite num tabefe. Os e abraços distribuídos, falsa simpatia desperdiçada, todo aquele negócio que toda pessoa com cicatrizes de queimadura infantil conhece. Fui no banheiro, soltei mais um suco de coxinha, me servi de palmito e tomate seco e voltei pra mesa.
As conversas eram as de praxe, a irmã perfeita e o imbecil falavam das maravilhas que eles tem feito pra ficarem ricos, o velho falava dos peixes que ele pescava e que ficavam maiores a cada frase, mesmo ele não me explicando se pegava eles num rio ou no mar, o que eu acho que é de propósito, ah! E nos intervalos eles falavam do quanto eu parecia/era um derrotado, de como eu não sabia administrar dinheiro, alimentação, relacionamentos, dinheiro, trabalho, e blá e blá e a merda toda.
Lá pela sétima cerveja e depois de molhar a mão do garçom por duas rodadas de picanha com alho achei que era hora de tentar levantar algum, e falei da porra toda com o viado e o contrabando de roupa pra gringa, eles fingiam não ouvir, daí o velho manda “com quem você arrumou esse trambique agora? Com aqueles caras do Socorro, no mínimo né?”, respirei e contei que tinha encontrado com a Sarah e que estava tudo engatilh... “aquela vaca rica que você comia? Não bastou acabar com o seu casamento, ela quer te arrancar o que agora se só te sobraram as pregas do rabo? Se é que...” nisso me cansei e saí da mesa, mas não de corpo, só em mente, como faço desde que era um pequeno ranheta punheteiro e fiquei montando minha pista de skate, eu sempre montava pistas de skate virtuais quando não estava afim de ouvir o que me cuspiam, tinha half, trapézio, corrimão horizontal, bowl, a porra toda, na hora da sobremesa ele ainda falava e eu estava com o cabelo ao vento, descendo uma rampa insana de BS (backside = discosta) então rolou uma deixa e eu caí de nollie na conversa, dei um slide e despejei “então mano, é o seguinte, a vaca tá querendo me dar uma força, coisa que vocês não têm se aviado a fazer faz um tempo, o trampo a principio nem ilegal é, então deixa dessa cretinice e me ajuda com algum pra eu pelo menos comprar um barbeador, se não for te fazer falta nessa vida de pescador senil... senil”. Daí rolou aquele silencio, eles ficaram olhando pra estampa da minha camisa por umas oito horas mais ou menos e depois o velho sem tirar o olho da minha camisa pegou a carteira, tirou duas onças e jogou na mesa, eu peguei a grana e deslizei satisfeito pra rua, sem falar uma palavra, na saída risquei com uma chave a lateral do Omega do velho, só pra tirar uma chinfra do pilantra.
Não detestava deles, também não gostava, é um lance estranho, só acho que ele podia admitir que vacilou em vez de ficar falando o quanto eu sou um merda. Esse tipo de pessoal não dá muito pra odiar, estão sempre com aquela cara de decepção, cegos naquela visão estreita onde você está fadado ao lodo e à derrota se não for seguir os passos deles, casando, tendo filhos, um bom emprego, acordando cedo pra caralho e pegando busão lotado, fiquei nessa tanto tempo que já me encheu, simplesmente me deu no saco ficar nessa sem levar nenhum em troca.
Eu tinha agora dois dias pra arrumar as coisas e encontrar com o chola amigo da Sarah, uma vaca legal essa Sarah, só podia ser um pouco menos trambiqueira e não ter fodido com o meu casamento. Voltava pra casa pensando em como ia fazer pra ligar pro Hector e pro Pedro lá no México, precisava saber se pelo menos eles estão vivos pra poder fechar o negócio. Gostei do México, aquela cidade gigante, parece São Paulo, mas sem ladeiras, tudo plano, isso definia bem as diferenças entre os paulistas e os chicanos, eles são mais espertos pra planejar, mas a gente tem mais garra pra correr atrás, pra subir ladeira, viver aqui é lutar contra a física, contra o bom censo e contra o próprio fígado.
Já estava a horas a caminho de casa e nada de chegar, até que eu vi ali da avenida Ibirapuera a janela acesa de uma gata que eu aqüendava de vez em quando, parei num orelhão e pá, ela atendeu..
– E ai Jessica, vamos tomar uma no Gimba, hoje eu pago!
– Você pagando meu bem, fiquei sabendo que você tava na pior.
– Soube errado gata...
3 comentários:
vai ter parte 2, é isso?
é isso.
Peter Pot...
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